A (necessária) revolta da vacina Mariana Pezzo 26 de janeiro de 2018 Coluna Mídia e Ciência A (necessária) revolta da vacina É difícil imaginar que, há cerca de apenas 20 dias, era pontual a presença da febre amarela na mídia brasileira. As notícias começaram a se acumular a partir do dia 5 de janeiro, quando foi confirmada a ocorrência de pelo menos três casos na região metropolitana da capital paulista, com duas mortes. De lá para cá, tornou-se impossível acompanhar toda a cobertura, dada a quantidade de textos e a diversidade de assuntos tratados. O que aconteceu, para que, aparentemente de uma hora para outra, a febre amarela voltasse às manchetes? Na minha opinião, quase nada de novo além da doença atrair a atenção dos jornalistas nas grandes redações e virar pauta, possivelmente por ameaçar como nunca antes a cidade de São Paulo. A situação é grave e demanda atenção. Mas ela nunca deixou de ser, desde, pelo menos, 2016. Uma parte importante do problema está, justamente, nessa descontinuidade da visibilidade conferida à febre amarela – que some quando a temperatura abaixa e o vírus faz menos barulho – e, assim, na ausência de cobrança do poder público via mídia. No dia 18 de janeiro, a cobertura midiática – e a cobrança – atingiram um ápice, com a publicação de editoriais ao mesmo tempo em três dos maiores veículos do País: Folha de S. Paulo, Estadão e O Globo. Em todos eles, as afirmações de que a febre amarela “é emergência” e o “zelo é necessário”, além da denúncia de grandes falhas no planejamento da prevenção e de falta de articulação entre os poderes públicos municipais, estaduais e o Governo Federal. A coincidência entre os editoriais é algo digno de nota, e não aconteceu por acaso. Dois dias antes, a Organização Mundial da Saúde (OMS) havia incluído todo o Estado de São Paulo como área de risco para a febre amarela, ação que o Ministro da Saúde caracterizou como excesso de zelo. As falhas do poder público em vários aspectos são inquestionáveis e revoltantes, especialmente pelo fato de não haver explicação para que, neste momento, estejamos tão abaixo dos índices recomendados de cobertura vacinal para impedir a epidemia. Em boa análise publicada no dia 21 na Folha, a jornalista Cláudia Collucci acrescenta mais um ingrediente a este caldo: a desinformação, que, segundo ela, gera histeria. Como não haver desinformação quando, no mesmo momento em que a OMS emite alerta de que o tamanho da população não vacinada representa um alto risco, o Ministro da Saúde afirma que a febre amarela está “sob controle”? O mesmo ministro, aliás, que em setembro do ano passado declarou o surto de febre amarela encerrado no País; infelizmente, “macacos, mosquitos e vírus […] não se importam com anúncios oficiais” e “não seguem o protocolo do Ministério”, como oportunamente colocaram o Presidente da Sociedade Brasileira de Virologia e o editorial já citado de O Globo. Cláudia Collucci, no entanto, aparentemente exime a mídia de responsabilidade por essa desinformação. Eu concordo que, no geral, a mídia vem fazendo um bom trabalho, especialmente em sua função de fiscalização do poder público e, também, na abrangência da cobertura, que, além do óbvio, olha para uma diversidade de temas que vão da história da febre amarela no Brasil, passando pelas ameaças à população de macacos e por análises dos riscos de contaminação urbana, até a necessidade de desenvolvimento de uma nova vacina. Também são úteis as compilações do tipo “saiba tudo sobre a febre amarela” e, se você continua na dúvida, por exemplo, sobre se vacinar ou não, os apanhados na Folha, no Estadão e, especialmente, do instituto Bio-Manguinhos, podem ajudar bastante. Além destes, recomendo também a leitura deste resumão no Nexo. Mas há falhas importantes nos extremos: no silêncio, quando o vírus dá uma trégua, e na avalanche de notícias atual, que, além de causar desespero, confirma a hipótese de que informação demais também pode ser nenhuma informação. Em tempos de fake news, é perigoso a gente relativizar a verdade. Mas não podemos deixar de refletir sobre a ideia de “fato”, até para fortalecermos o nosso compromisso com a verdade. Se, por exemplo, buscarmos notícias em diferentes jornais sobre os números de casos e de vítimas, tendemos a desacreditar autoridades e a própria mídia, tamanha a diversidade, dependendo da fonte da informação e dos recortes feitos. O fato inquestionável diante das evidências, no entanto, existe: a febre amarela vem se alastrando no Brasil há 20 anos, situação agravada no último ano e que, se não agirmos rápido, logo ficará trágica. O resto, no caso da mídia, são escolhas editoriais, formas diferentes de contar uma mesma grande história – e, não necessariamente, mentira, informação de má qualidade ou erro. No caso dos governos, enquanto se livrar da responsabilidade continuar sendo a principal preocupação, desinformação e descontrole é só o que teremos. É assustadora, por exemplo, a declaração da Coordenadora do Programa Nacional de Imunizações, que, segundo o Estadão, além de responsabilizar os municípios pela baixa cobertura vacinal, culpa até mesmo a população! Qualquer um, desde que não seja eu! Mas há uma responsabilidade que é comum a todos. Em maio, a situação deve melhorar com a proximidade do inverno (ainda que os padrões de transmissão estejam surpreendendo um pouco os especialistas). Não podemos, no entanto, parar de falar da febre amarela, de nos vacinar e estimular a vacinação, bem como de cobrar as autoridades, sob pena de chegarmos ao próximo verão em um lugar do qual não seja mais possível recuar. É bom estar de volta! Boas leituras, e até a semana que vem.