Visita ao Brasil de referência mundial na área de Nutrição foi oportunidade (perdida?) de ampliar o debate público sobre alimentação

Você sabia que o Guia Alimentar para a População Brasileira é considerado o melhor documento do tipo em todo o mundo?

Quem disse? Marion Nestle, professora da New York University, destaque na área da Nutrição. Ela esteve no Brasil de 7 a 13 de maio, para lançar o livro “Uma verdade indigesta: como a indústria alimentícia manipula a ciência do que comemos”. Mesmo enchendo auditórios em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, a visita de Marion Nestle não recebeu a atenção devida da mídia, exceto por alguns textos bastante burocráticos que não foram além da superfície espetacular das afirmações militantes da pesquisadora.

No livro, Nestle denuncia como as grandes empresas globais do setor alimentício têm determinado o que come boa parte da população mundial, em uma estratégia semelhante àquela empregada no passado pela indústria do tabaco: com o financiamento de pesquisas que as favoreçam, pressão sobre profissionais da área da Saúde e o uso de informações ditas “científicas” como estratégia de marketing para, como sintetiza o Huffpost , “fazer que alimentos não saudáveis pareçam boas opções”.

Em entrevista ao Estadão, ao falar de conflitos de interesse e outros problemas que emergem desse financiamento privado à pesquisa, Marion Nestle afirma que a qualidade científica desses estudos raramente é um problema, e que o viés não deriva da forma como a pesquisa é conduzida, mas sim das perguntas que são feitas. E este é um bom exemplo de superficialidade na abordagem midiática, já que a afirmação não é explorada, e fica difícil entender o que significa dizer que o problema está na questão de pesquisa. Em várias ocasiões a pesquisadora também alerta da importância de compreendermos as causas das nossas escolhas alimentares, de combatermos a visão de que a responsabilidade por aquilo que consumimos é só nossa. Para tanto, precisaremos de muito mais notícias e outros textos sobre o assunto do que aqueles produzidos na visita de Marion Nestle.

Ainda no Estadão, questionada sobre quais seriam as mensagens (distorcidas) mais perigosas sobre os alimentos, Marion Nestle descarta o termo “perigosa”, dizendo justamente que “mais importante é informar como funcionam as pesquisas nutricionais”. No blog Food Politics, ao comentar relatório publicado no periódico The Lancet no início deste ano, a pesquisadora resume que, além de interesses comerciais velados e da falta de liderança política, a demanda social insuficiente por mudanças também é um obstáculo ao combate à desnutrição e à obesidade. Aqui, mais uma vez, o diálogo com a sociedade poderia ajudar.

Muitos dos temas abordados por Marion Nestle têm significados bastante especiais no momento que vivemos no Brasil. Uma primeira coisa a ser destacada é a importância do investimento de recursos públicos em Ciência, na busca por independência e transparência da pesquisa realizada. Mais especificamente na área da alimentação, estamos assistindo ao desmonte de um sistema de segurança alimentar e nutricional que já foi modelo para todo o mundo, e está em discussão o novo modelo de rotulagem de alimentos a ser adotado. Além disso, o Ministério da Saúde já indicou a intenção de alterar o Guia Alimentar para a População Brasileira, aquele mesmo elogiado por Marion Nestle, que é referência internacional, assim como é referência Carlos Augusto Monteiro, pesquisador da USP que foi o responsável técnico pelo Guia e cunhou o termo “alimentos ultraprocessados”, dentre inúmeras outras contribuições.

Nesse cenário, comer e falar sobre comida é mais um ato importante de resistência, a ameaças que atingem não só a nossa saúde, mas também a do Planeta. Para empreendê-lo, é imprescindível o acesso à informação de qualidade e, assim, ao conhecimento.

Boas leituras e até a semana que vem.

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