Estamos, neste 21 de abril, na véspera de um evento que pode vir a marcar o início de uma transformação na relação entre cientistas e o público no Brasil: a Marcha pela Ciência, prevista para acontecer em mais de 20 cidades brasileiras neste sábado. Nos Estados Unidos, onde o movimento nasceu, a Marcha tem sido vista como ocasião única no que diz respeito ao envolvimento público entre Ciência e Política – para o bem e para o mal, dependendo do ponto de vista do observador. No Brasil, no entanto, a cobertura da Marcha pela mídia continua bastante tímida, e pontual, o que dificulta grandes comentários por aqui, apesar da relevância que imputamos ao evento. Torçamos para que essa situação seja diferente na semana que vem.

Enquanto isso, vamos falar sobre a vida fora da Terra. Se, em geral, as instituições científicas e as pessoas que as compõem ainda têm um longo caminho pela frente no estabelecimento de um diálogo cotidiano e efetivo com diferentes públicos, uma delas destaca-se quando o assunto é comunicação (e, sobretudo, espetáculo): a Nasa. Na quinta-feira, dia 13 de abril, a agência fez mais uma de suas coletivas de imprensa convocadas com grande estardalhaço, para revelar “novas descobertas sobre oceanos além da Terra”. A chamada para a coletiva foi feita três dias antes e, de lá até o anúncio, como sempre acontece, foram várias as especulações.

De concreto, o que tivemos foi o anúncio da identificação de hidrogênio em Enceladus, lua gelada de Saturno. A descoberta decorre de análises químicas de amostras coletadas pela sonda Cassini dos jatos de vapor d’água que Enceladus emite, oriundos do oceano que existe sob o gelo da superfície da pequena lua. Esse hidrogênio pode ser uma fonte de energia química para micro-organismos – caso eles estejam lá, como destaca o próprio texto divulgado para comunicar a descoberta. Esse mesmo texto é bastante esclarecedor da relevância dessa descoberta, ao afirmar que, se alguma forma de vida vier a ser encontrada em Enceladus, isto significaria que a vida provavelmente é comum ao redor do Universo; no entanto, se ela não estiver lá, teremos uma indicação de que a vida é “provavelmente mais complicada ou improvável do que pensamos”. “De qualquer forma as implicações são profundas”, registra a Nasa.

Em mais de uma notícia sobre o anúncio da Nasa lemos que Enceladus “pode ser o melhor lugar para encontrar vida além da Terra”, o que justificaria a realização de novas missões de busca. Porém, menos de uma semana depois, a mesma afirmação foi feita sobre um astro um pouco mais distante e desconhecido até o dia 19 de abril, quando o Observatório Europeu do Sul (ESO) anunciou a descoberta de LHS 1140b, um exoplaneta a “apenas” 40 anos-luz da Terra. Além dessa proximidade, facilitadora da observação, o mais novo queridinho dos caçadores de vida extraterrestre está localizado na zona habitável de sua estrela, ou seja, na região de sua órbita que possui temperatura adequada à existência de água no estado líquido.

Enceladus e LHS 1140b não são os primeiros personagens de 2017 em histórias com manchetes incluindo as palavras “vida” e fora da Terra. Em fevereiro tivemos o anúncio do sistema planetário em torno da estrela Trappist-1, com três planetas na zona habitável, e também da identificação de matéria orgânica em Ceres, planeta-anão que é nosso vizinho. Mais recentemente – e com mais cara de ficção científica… –  também houve notícias de pulsos eletromagnéticos vindos da Grande Nuvem de Magalhães (esta também nossa vizinha, mas uma galáxia) que não poderiam ser explicados por nenhum fenômeno natural conhecido e que, portanto, poderiam indicar a existência de uma civilização alienígena que estaria produzindo esses pulsos. Especulações a parte, em 2016 também tivemos a descoberta de um exoplaneta do tamanho da Terra na zona habitável em torno de Proxima b, a apenas 4 anos-luz de nós.

Duvido que a perspectiva de encontrarmos vida fora do nosso planeta passe desapercebida a qualquer terráqueo, e é justamente por isso que não apenas a mídia, mas também as próprias instituições científicas a-d-o-r-a-m incluir essa busca entre os objetivos de suas missões espaciais e/ou nos comentários sobre suas descobertas. Afinal de contas, a Imprensa precisa cativar seu público, e a exploração espacial precisa justificar os milhões – bilhões, em alguns casos – que custa. Nem sempre trata-se de exageros, já que as descobertas da Cassini, de LHS 1140b, Trappist-1 e do planetinha de Proxima b, dentre outras, são realmente fascinantes. Porém, a coisa toda é muito mais complexa do que olhar para o céu e vermos alguém parecido conosco acenando lá de longe, como algumas vezes essa profusão de notícias pode levar a crer.

Até o momento, tudo o que temos são mundos onde a vida – tal qual a conhecemos, é bom lembrar – seria possível, o que não é pouca coisa. Temos, também, toda a reflexão – e algumas evidências – sobre não haver motivos para a vida ter surgido apenas na Terra, diante da imensidão do Universo e do fato do nosso planeta, por mais querido que ele nos seja, não ter nada que o torne muito especial. Uma reportagem publicada na edição portuguesa da National Geographic em 2014 faz um apanhado interessante de diferentes aspectos envolvidos nas pesquisas sobre vida fora da Terra – incluindo aquelas realizadas por aqui mesmo, com os chamados organismos extremófilos. Outra dica de leitura para conseguirmos navegar melhor nesse mar de notícias é o livro “Astrobiologia – uma ciência emergente”, disponibilizado recentemente para download gratuito pelo Núcleo de Pesquisa em Astrobiologia da USP.

Voltando para onde começamos, se quisermos continuar obtendo respostas para esta e outras questões que tanto nos intrigam, bem como a formular novas perguntas, é importante participar da Marcha pela Ciência, já que, se ficarmos no caminho que se vislumbra neste momento, todo o avanço obtido ao longo das últimas décadas em breve será apenas literatura, e não ombros de gigantes sobre os quais nos erguemos para ver mais longe.

Boa leitura, boa Marcha, e uma ótima semana.

*Legenda da foto: Enceladus, fotografada pela sonda Cassini, em imagem da Nasa.