Além do Governo, mídia também tem resposta lenta ao desastre do óleo nas praias do Nordeste

O rompimento de uma barragem, como as de Mariana e Brumadinho, embora possa ser prevenido por um sistema responsável de monitoramento, pega a sociedade de surpresa quando acontece, matando centenas de pessoas e varrendo do mapa tudo no caminho por onde passa, veloz, a onda de lama. O mesmo não é verdade para o fogo na Amazônia e, mais recentemente, o óleo no Nordeste. Estas são tragédias que, antes de se transformarem em desastres de imensas proporções, deram pistas muito mais fáceis de serem visualizadas, com um foco de incêndio aqui, outro ali, ou a chegada progressiva de manchas de óleo a uma, 10, 100, até chegarmos às mais de 250 praias já atingidas, em quase 100 municípios de todos os estados do Nordeste.

Mesmo assim, a minha sensação é que ficamos paralisados, estupefatos, vendo o problema se avolumar por dias, semanas, antes de percebemos diante do que estávamos.

A demora das medidas governamentais e as já corriqueiras trapalhadas e declarações estapafúrdias têm sido bastante comentadas, e, inclusive por isso, não são o foco desta coluna. Mas a mídia, na minha impressão, também demorou a reagir. As primeiras manchas chegaram à costa no dia 30 de agosto, e uma pesquisa rápida me mostra que as notícias só começaram a se avolumar cerca de 20 dias depois. Além disso, somente agora, passados dois meses, a cobertura da imprensa começa a construir um quadro mais articulado, para além de informações fragmentadas e, muitas vezes, confusas, sobre novas praias atingidas, barris de petróleo encontrados por aí, esforços desesperados de habitantes locais para proteger sua casa e seu sustento e acusações mais ou menos fundamentadas sobre a origem de tanto óleo.

Talvez, assim como nós, que íamos vendo novas imagens de pessoas, animais e objetos cobertos de preto surgirem, dia a dia, nas redes sociais, os profissionais da imprensa tenham ficado atordoados com o tamanho da tragédia que ia se anunciando e, por isso, com dificuldade, ou resistência, para ligar os pontos. Além disso, essa resposta atrasada pode ser, em grande medida, consequência da falta de transparência do Governo na divulgação das informações, como acusam vários especialistas e, também, relatórios do Ibama divulgados por O Globo nesta semana. A vulnerabilidade da imprensa a este silêncio oficial evidencia uma característica frequentemente atribuída à mídia brasileira em diferentes análises, que é a dependência excessiva de fontes oficiais, o chamado “jornalismo de fonte”.

Yara Schaeffer Novelli, Professora Sênior no Instituto de Oceanografia da USP que é considerada uma das maiores especialistas do País em impactos por óleo, destacou em declaração dada no início de outubro um outro campo em que houve lentidão: na participação de cientistas no debate público. Falando na demora da reação governamental, e esclarecendo que há um conjunto de políticas e documentos baseados no conhecimento científico que deveriam ter orientado a ação, mas foram ignorados por mais de um mês, ela afirmou: “Estamos passando para os brasileiros que ouvem essas notícias há mais de um mês que a gente paga aos pesquisadores que não sabem dizer nada.”.

Essa voz tardou, mas chegou. Nos últimos dias, quase todas as notícias têm trazido os especialistas, que falam de todo esse conhecimento que estava disponível, mas não foi utilizado; contribuem com estudos, análises e reflexões sobre prováveis origens do petróleo derramado – que continuam um mistério; alertam para os riscos envolvidos no contato direto com o óleo, sem a devida proteção; fazem previsões sobre o que acontecerá a seguir, para que possamos nos preparar; evidenciam impactos duradouros do desastre sobre fauna, flora, saúde humana, economia, dentre outras dimensões; e vão propondo medidas já consolidadas e, até mesmo, buscando novas soluções para problemas emergentes como, por exemplo, a destinação das toneladas de óleo recolhido nas praias. Falam, assim, do passado, de todo o conhecimento que poderia ter diminuído o impacto do desastre, mas não foi acionado. Falam do presente, do que fazer, ações a evitar, e de dimensões de impacto muito mais profundas que as camadas pretas pegajosas saltando aos nossos olhos. É preciso, no entanto, que esses cientistas falem cada vez mais também no futuro – e que a mídia dê visibilidade a esta fala. Sobre os problemas, sem dúvida, já que uma nova mancha, de 200 km2, acaba de ser identificada em alto mar, e o óleo se aproxima cada vez mais do santuário de Abrolhos. Mas, também, que falem sobre esperança, sobre o que fazer para que situações como esta não voltem a ocorrer – e eu não fal

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