Às vésperas de mais uma Conferência do Clima, notícias sobre os novos relatórios de efeito estufa e aquecimento global podem, em vez de alarme, provocar indiferença

No momento em que me sento para escrever esta última edição de Mídia e Ciência em 2018, me assola o o sentimento de que deveria falar dos bebês chineses (supostamente) modificados geneticamente. Afinal de contas, há dias o mundo discute o assunto, e com razão, já que as implicações vão além de tudo que possamos imaginar neste momento. Mas, ainda são poucas informações mais detalhadas, e há uma grande desconfiança inclusive da veracidade do feito anunciado; além disso, sinto que teremos muitas oportunidades e, mais do que isso, a necessidade de voltar várias vezes ao assunto em 2019.

Em vez disso, escolho encerrar o ano voltando a um assunto sobre o qual logo será tarde demais para agir, e muito mais para refletirmos: as mudanças climáticas. Foram várias as notícias dos últimos dias, motivadas por novos relatórios preparados para a 24a Sessão da Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, a COP 24, que começa em 3 de dezembro em Katowice, na Polônia.

No dia 23 de novembro, o governo dos Estados Unidos publicou a quarta edição da Avaliação Nacional sobre o Clima, relatório de 1.600 páginas produzido por 13 agências federais e 300 especialistas, que traz como principais novidades em relação a documentos anteriores o alerta sobre os impactos econômicos das mudanças climáticas e a afirmação de que seus efeitos já são tangíveis como, por exemplo, nos incêndios que estão devastando a Califórnia. A publicação aconteceu no meio do feriado de Thanksgiving e no dia da Black Friday, em uma óbvia tentativa de abafar a repercussão, no país cujo presidente afirmou, dias depois, não acreditar no relatório.

Um dia antes, em 22 de novembro, a ONU já havia divulgado a notícia de que a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera atingiu novo recorde. No entanto, um dia antes, a notícia aqui no Brasil era de que as emissões desses gases no País caíram 2,3%, devido, principalmente, à queda no desmatamento da Amazônia. E, no dia seguinte, lemos que o mesmo desmatamento na mesma Amazônia subiu 13,7% entre agosto de 2017 e julho deste ano. Confuso, né?

Notícias alarmantes – e, algumas vezes, alarmistas – sobre o aquecimento global aparecem em ondas. Em 2014, por exemplo, já tínhamos manchetes sobre emissão recorde de gases de efeito estufa. Essa recorrência, na maior parte das vezes sem um olhar histórico, soma-se à divulgação acrítica de indicadores para, na minha avaliação, dificultar ainda mais a compreensão de que não há mais tempo a perder e de que, além de mudarmos hábitos individuais, precisamos sobretudo cobrar e fiscalizar governo e mercado.

Comentando a divulgação do relatório dos Estados Unidos, um artigo publicado no Columbia Journalism Review afirma que a mídia é cúmplice na dissimulação da realidade das mudanças climáticas quando trata essa realidade de forma abstrata, sem vinculá-las aos impactos concretos que já estão por aí. Aqui no Brasil, a ombudsman da Folha de S. Paulo, em coluna recente sobre um outro assunto, também destacou que, em tempos de tantas news e fake news, informações e contrainformações veiculadas o tempo todo nas redes sociais sem intermediação, mais do que nunca a função do jornalismo é agregar contexto e crítica aos “fatos”, evidenciando inclusive suas consequências diretas na vida do público. Aqui em Mídia e Ciência, ao longo do ano, também falamos várias vezes sobre os desafios envolvidos na busca por atrair a atenção e, mais do que isso, garantir a participação desse público no debate e nas decisões de Ciência e Tecnologia e, de outro lado, sobre como Ciência, Tecnologia e Divulgação Científica podem ter uma prática mais próxima das preocupações, problemas e demandas de diferentes segmentos da sociedade.

Este debate não termina aqui e, levando em consideração iniciativas recentes no País de difusão e comunicação das ciências que adotam uma postura de ataque a tudo que não é considerado “científico” e, na minha opinião, de impedimento a qualquer tipo de diálogo com aqueles que são rotulados de “ignorantes”, essas relações entre Ciência, Política, debate entre diferentes visões de mundo e políticas públicas deverão ser um dos principais alvos na trincheira de Mídia e Ciência em 2019. Neste momento, agradeço a audiência, a companhia e a oportunidade de reflexão, desejando a cada um de vocês um bom fim de ano e toda a energia para o ano que logo, logo chega por aí.

Obrigada, e até breve.

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