Pauta de Ciência esteve agitada nos últimos dias, com água em Marte e o eclipse da Lua

Com o anúncio de evidências de um grande lago de água líquida em Marte – publicado na revista Science no dia 25 de julho, quarta-feira – e o eclipse lunar – que aconteceu na sexta-feira, dia 27 –, esta foi uma semana em que a Ciência ocupou as capas dos jornais em todo o mundo. No Brasil, tivemos também a reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), uma sabatina sobre C&T com representantes de prováveis presidenciáveis e o início do Congresso Internacional de Matemáticos, eventos que não receberam, no entanto, nada parecido com a atenção dada às notícias extraterrestres.

A notícia sobre água em Marte apareceu nos principais veículos nacionais com níveis distintos de otimismo – ou seria melhor chamarmos de cautela? Enquanto o Estadão, por exemplo, fala em “confirmação de água líquida” e “expectativa por vida”, a Folha de S. Paulo menciona “evidências de um lago” e, mais comedido ainda, O Globo refere-se a um “possível corpo em estado líquido permanente” que “pode mudar busca por vida”. Em meio ao entusiasmo gerado no campo da Astrobiologia, foi só em O Globo, também, que registrei uma análise mais pessimista, de cientista que considera improvável a vida em condições tão extremas quanto as que devem existir no suposto lago marciano. Mas, no geral, tivemos um conjunto de boas matérias, corretas, abrangentes, que trouxeram fontes brasileiras para o debate e nos ajudam a compreender melhor quais devem ser os próximos passos da pesquisa na área. Faltou uma retrospectiva, uma linha do tempo das principais descobertas relacionadas à presença de água em Marte (em estado sólido ou líquido, no passado ou no presente), para evitar reações como a do humorista português Ricardo Araújo Pereira, que registrou – em uma coluna da qual não gostei, mas que não deixa de oferecer elementos para reflexão – uma sensação de déjà vu e a frustração de expectativas com mais este, enésimo, anúncio de água em Marte. Confesso não ter totalmente claro, eu também, o real significado da descoberta.

Não foi só a água em Marte que colocou o planeta em destaque. No dia 30, artigo publicado na Nature Astronomy jogou um balde de água fria nos planos de transformação de Marte em nosso futuro lar – pelo processo de engenharia planetária chamado de “terraformação”, para o qual faltaria, ironicamente, CO2, o mesmo gás que pode tornar a nossa Terra inabitável. Mas o verdadeiro show aconteceu no dia 27 de julho, quando, chegando em sua máxima aproximação do nosso planeta (no fenômeno chamado de oposição), Marte surgiu do ladinho da Lua eclipsada.

Diferentemente de descobertas como a de água em Marte, eclipses são acontecimentos rotineiros e, talvez por isso, as notícias tenham carregado as tintas na alcunha de “Lua de Sangue” e na qualificação do fenômeno como o eclipse mais longo do Século. Mas, como destacaram especialistas entrevistados pelo Estadão e por O Globo, olhar para o céu sempre intriga as pessoas, inspira à reflexão e ao questionamento, gerando momentos de sensibilidade que podem ser aproveitados para aproximá-las da Ciência e dos cientistas. Neste sentido, os dois jornais foram exemplares, agregando às dicas de como ver o eclipse ricas informações sobre movimento planetário, e outros temas. Além disso, no dia seguinte, mantiveram a cobertura, com depoimentos das pessoas que foram observar a Lua e, assim, valorizaram não só essa experiência, mas também o espaço público – o Forte de Copacabana, no Rio, e o Parque do Ibirapuera, em São Paulo, onde foram instalados telescópios durante o eclipse.

No dia 30 de julho, Salvador Nogueira – em seu Mensageiro Sideral – voltou a falar de vida extraterrestre, comentando como pode ser mais fácil buscar vida em Europa, uma das luas de Júpiter, do que se imaginava até agora. Mas Europa, apesar de ter um oceano inteiro de água salgada e ser um dos principais alvos para a busca de vida fora da Terra, não desperta o mesmo interesse que seu vizinho. Por que será? Um belíssimo texto no The New York Times aproveitou a ocasião do eclipse lunar acompanhado de Marte em oposição para refletir sobre esse fascínio provocado por um planeta “gelado, enferrujado e assombrado”, mas para o qual a Humanidade não consegue parar de olhar desde que soube “que as luzes no céu são lugares”. Outro, publicado no site The Conversation, parte da designação “Lua de Sangue”, que tanto irrita alguns astrônomos, para falar dos “caminhos interessantes pelos quais a sociedade moderna cria as suas histórias sobre o céu”.

Ambos os textos, ao contrário de alguns similares mais agressivos e arrogantes que às vezes vemos por aí, aproveitam a inspiração do eclipse e, até mesmo, os equívocos, mitos e lendas associados, para aproximar Ciência e Cultura, conhecimento científico e cotidiano, cientistas e todos os demais seres humanos. São bons exemplos, cuja observação pode nos ajudar a chegar ao dia em que, além de eclipses e vida extraterrestre, também despertarão a curiosidade das pessoas reuniões de cientistas como a da SBPC, as propostas de políticas públicas para a área de Ciência e Tecnologia e as conversas dos matemáticos em seu congresso internacional.

Até lá, boas leituras, e uma ótima semana!

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