Mais um ano se passou sem que o prêmio viesse para o Brasil, e é importante pensar sobre causas e consequências

Todo ano é a mesma coisa: conforme se aproxima a semana em que são anunciados os prêmios Nobel, as apostas fervem em todo o mundo e, no Brasil, começa o questionamento – esperançoso, crítico ou ressentido, dependendo de quem fala – sobre quando, finalmente, teremos um Nobel para chamar de nosso. Não foi diferente em 2019, mas é emblemático que a discussão – com raríssimas exceções – se dê com foco nos prêmios de Literatura e, muito especialmente, da Paz, como se os demais – Medicina, Física, Química e Economia – não fossem para o nosso bico.

No final, o Nobel da Paz foi para a Etiópia. O de Economia premiou estudos relacionados à redução da pobreza e da desigualdade, infelizmente tão familiares a nós, brasileiras e brasileiros. Mas, quase paradoxalmente, o trio premiado – uma mulher e dois homens – atua nos Estados Unidos, realizando suas pesquisas no MIT e em Harvard. Um deles, no entanto, é indiano. Já em relação à Medicina, à Física e à Química, a imprensa brasileira deu um jeito de passar um verniz tupiniquim nas conquistas de Estados Unidos (2), Reino Unido (2), Suíça (2), Canadá (1), Alemanha (1) e Japão (1).

O primeiro prêmio anunciado foi o de Medicina, na segunda-feira, 7 de outubro, para “descobertas sobre como as células identificam e se adaptam à disponibilidade de oxigênio”. Joanna Lima, brasileira, doutoranda no Instituto de Ciências Biomédicas da USP, estava junto com Peter Ratcliffe, um dos ganhadores, quando ele recebeu a notícia. Ela realiza estágio no laboratório de Ratcliffe, na Universidade de Oxford, como oportunamente destacaram o Jornal da USP, a Agência Fapesp e alguns veículos da grande mídia. Esta é uma relação que pode ilustrar a internacionalização da pesquisa brasileira, com pessoas em formação e colaborando com centros de excelência ao redor do mundo, mas também suscita a reflexão sobre o risco de fuga de cérebros que nos atinge com especial intensidade nos dias de hoje.

No dia seguinte, o Nobel de Física foi dividido entre descobertas teóricas em Cosmologia e a busca por exoplanetas, pelas contribuições “à nossa compreensão da evolução do Universo e do lugar da Terra no cosmo”. Neste caso também foi encontrado brasileiro que nos permite tirar uma casquinha da honraria: Leonardo dos Santos é doutorando no Observatório de Genebra, próximo a dois dos laureados. Aqui, no entanto, vale destacar também como a cobertura do Prêmio pela imprensa no Brasil evidencia como a Astronomia é uma das áreas que as redações estão melhor preparadas para acompanhar, como exemplificam textos publicados na Folha de S. Paulo, Estadão e G1, nos quais há ricas informações complementares trazidas por jornalistas especializados, pesquisadores e divulgadores brasileiros.

Por fim, na quarta-feira, soubemos o resultado do Prêmio Nobel de Química, atribuído ao desenvolvimento das baterias de íons de lítio. Mais uma vez, Folha, Estadão e G1 se preocuparam em encontrar comentaristas nos laboratórios brasileiros, mas as matérias deixam de explorar algo importante de ser destacado nesse campo: que há tópicos em diferentes áreas do conhecimento em que cientistas brasileiros realizam pesquisa de ponta em igualdade de condições com seus colegas em todo o mundo, como é o caso da busca por estratégias mais eficientes para o armazenamento de energia – novas baterias e capacitores, especialmente para guardar a energia produzida a partir de fontes renováveis.

São várias as reflexões – e, também, as controvérsias – que surgem da lembrança que o Brasil ainda não ganhou um Prêmio Nobel. Alguns dizem inclusive que isto não é verdade, já que temos Peter Medawar, ganhador na área de Fisiologia ou Medicina em 1960 – nascido no Brasil, Medawar deixou o País antes de completar 10 anos, e se identificava como britânico. Outros recuperam até mesmo o Prêmio da Paz de 1988, concedido às Forças de Paz da ONU, integradas por muitos brasileiros. O fato de não termos o Prêmio também pode estar relacionado a eventuais vieses da Real Academia Sueca de Ciências e, ao menos em um caso, dizem muitos, a uma brutal injustiça: no não reconhecimento do físico Cesar Lattes, indicado sete vezes. Por fim, um fator é inquestionável, como lembrou de forma veemente o jornalista Marcelo Leite: a instabilidade do apoio à Ciência em nosso país.

Um artigo publicado nos mesmos dias do Nobel na revista Nature, em comemoração aos 150 anos da publicação, acrescenta mais um ponto sobre o qual pensar. Nele, Nathaniel Confort, historiador da Ciência especializado na área de Biologia, evidencia como a Ciência – e, junto a ela, o cientificismo – definiram noções de identidade e personalidade (self, no Inglês) desde o final do século XIX e, também, que essas ideias sobre quem somos estão relacionadas não só às descobertas científicas, mas, também, aos valores daqueles que comandam – há tempo demais, avalia o autor – o sistema global de Ciência e Tecnologia: homens, brancos, ricos, e não brasileiros.

Mídia e Ciência também disponível em podcast e vídeo