Harvey, Irma, José e Katia, estes ilustres desconhecidos Mariana Pezzo 15 de setembro de 2017 Coluna Mídia e Ciência Nesta retomada de Mídia e Ciência, foi natural voltar a atenção àqueles que dominaram o noticiário nacional e internacional ao longo dos últimos 20 dias: os furacões Harvey, Irma, José e Katia. Acompanhando sua trajetória, aprendi quanto transtorno e sofrimento podem causar – foco natural da maior parte da cobertura –, como são nomeados (em ordem alfabética reiniciada a cada ano, alternando nomes femininos e masculinos) e classificados (de 1 a 5, de acordo com a intensidade dos ventos), mas não muito mais do que isso. Sinto que, talvez, tenhamos perdido uma boa oportunidade de conhecer mais sobre esses fenômenos que, aparentemente, serão cada vez mais intensos nos próximos anos e, especialmente, sobre a sua possível relação com o aquecimento global, aspectos que foram ofuscados pelos inventários diários dos danos causados. Tomemos, como exemplo, a cobertura da Folha de São Paulo, cujo acompanhamento atento pode nos ensinar muito também sobre o funcionamento da mídia e, mais especificamente, do jornalismo diário. A primeira notícia é do dia 26 de agosto, traduzida de agências internacionais e obviamente extemporânea, já que falava em previsões quando o Harvey já tocara o solo texano na noite anterior. Quase de repente, no dia 28, o Harvey virou capa do jornal e do caderno Mundo, apresentado como o pior furacão dos últimos 50 anos. Nos dias seguintes, o foco passa de previsões para danos causados, para os números de mortes – que vão sendo atualizados dia a dia – e as visitas às vítimas de Donald Trump e seu vice-presidente. Até que, no dia 6 de setembro, o Irma começa a ser anunciado, em uma notinha tímida que ganha a alcunha de “Depois do Harvey”. Olhar essa cobertura em retrospectiva é interessante, dentre outros motivos, por nos permitir a reflexão sobre como a mídia às vezes cria realidades e, em outras – como me parece ser o caso –, demora a conseguir dimensionar e, assim, retratar mais fielmente o que de fato está acontecendo. No dia 8 de setembro, o Irma foi para a capa, e pela primeira vez ouvimos falar em alguma relação com o aquecimento global, em um pedido do presidente francês Emmanuel Macron por esforços de combate ao aquecimento global. Mas, aparentemente, é só no dia 11 de setembro que o jornal fica realmente preparado para a cobertura, com as duas primeiras páginas do caderno Mundo dedicadas ao Irma e, finalmente, algumas reflexões sobre possíveis relações com o aquecimento global e, também, sobre questões geopolíticas e econômicas, particularmente a comparação entre recursos gastos em reconstrução de cidades arrasadas e o que eles poderiam significar se investidos em tecnologias mais limpas. A Folha retoma essa tese no dia seguinte, em editorial que trata, dentre outros aspectos, da responsabilidade dos países mais ricos pela prevenção de tragédias nas nações sem recursos suficientes para financiar tais ações. No Brasil, o restante da mídia não diferiu muito do exemplo apresentado em sua cobertura dos furacões. Já nos Estados Unidos, provocou polêmica a presença dos repórteres da CNN em meio à tempestade, ao mesmo tempo em que apelavam à população para que se protegesse! Por mais que os repórteres reiterassem a cada poucos minutos que estavam ali para ilustrar a gravidade da situação e a importância das pessoas buscarem abrigo, bem como garantissem ter tomado todas as medidas de segurança cabíveis, não cala a questão de se aquilo era realmente necessário ou apenas sensacionalismo em busca da audiência. Foi essa polêmica me apresentou o projeto de crítica de mídia Poynter.org, que fica como dica de leitura perene. Há vários textos sobre os furacões lá, como este que fala aos jornalistas sobre como se ater aos fatos e evitar o sensacionalismo e este outro com dicas para não ser um multiplicador de notícias falsas sobre os furacões. Além destes, sugiro o artigo do The New York Times que discute especificamente a postura de cobrir tempestades com os jornalistas ao ar livre, levantando uma questão fundamental à reflexão, que é o poder da imagem como prova de verdade. Nós, de fato, só acreditamos naquilo que vemos? E aquilo que vemos é, necessariamente a verdade? O que você acha? É bom estar de volta! Desejo boas leituras, e uma boa semana.