Diagnóstico da biodiversidade brasileira e notícia sobre nave alienígena permitem pensar sobre aquilo que a mídia – e cada um de nós – valoriza

Você já ouviu falar na Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES, do título em Inglês)? E que, no próximo dia 17, começa no Egito a 14a Conferência das Partes da Convenção da Diversidade Biológica (COP 14), da qual o Brasil não poderá participar plenamente, você sabia? A minha resposta, às duas questões, seria não até alguns dias atrás, quando prestei atenção às poucas notícias sobre o lançamento, no Rio de Janeiro – no Museu do Amanhã –, do Sumário para Tomadores de Decisão do Primeiro Relatório Brasileiro de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos, produzido pela BPBES.

A Plataforma, formada em 2015, congrega mais de 120 especialistas, entre pesquisadores e gestores. O objetivo é produzir sínteses do melhor conhecimento disponível sobre a temática. Seu Primeiro Relatório reúne informações dos últimos 10 anos e, dentre outras conclusões, mostra como o Brasil vem perdendo biodiversidade em ritmo acelerado, devido principalmente às mudanças no uso da terra – de áreas com vegetação natural para áreas exploradas por agropecuária ou aglomerados urbanos – e, também, aos impactos das mudanças climáticas e da poluição, dentre outros vetores. É interessante notar como diferentes veículos destacaram aspectos distintos do Relatório, com o Estadão e o Valor, por exemplo, priorizando a informação de que 7% dos municípios brasileiros abrigam mais de um terço da vegetação nativa do País, e justamente os municípios onde vive a população mais pobre. O Globo, por sua vez, enfatizou um aspecto que me parece ter sido também a tônica no discurso dos próprios responsáveis pelo documento: a relação entre biodiversidade e qualidade de vida e, mais especificamente, o entendimento dessa biodiversidade não como obstáculo, mas como valor e oportunidade de desenvolvimento do País.

O lançamento da versão resumida do Relatório aconteceu dias antes do início da COP 14 – não por acaso, é claro. Apesar de abrigar a maior parte da diversidade do Planeta – e, assim, ser responsável por decisões que provocam impactos muito além das suas fronteiras –, o Brasil não terá participação plena na Conferência por não ter ainda ratificado sua adesão ao Protocolo de Nagoya, que visa a repartição justa e equitativa dos benefícios resultantes da exploração de recursos genéticos de plantas e animais e, assim, também o uso sustentável da biodiversidade e a proteção das comunidades tradicionais e do conhecimento que possuem sobre esses recursos. Mesmo assim, o espaço destinado pela mídia nacional ao Relatório, maior levantamento sobre a temática já realizado no País, foi tímido, muito aquém do que seria pertinente e necessário, na minha avaliação.

No mesmo período, recebeu atenção uma notícia que eu considero quase uma brincadeira, e de mal gosto. Em algumas manchetes, não poucas, lemos que um objeto espacial misterioso – apelidado de Oumuamua –, que vem intrigando os astronômos desde o final do ano passado, pode ser uma nave enviada à Terra por uma civilização alienígena! Não estamos falando de uma notícia falsa, já que as manchetes derivam de um artigo em fase final de publicação em periódico científico reconhecido, no qual dois pesquisadores de Harvard buscam explicar o comportamento misterioso de Oumuamua, primeiro objeto interestelar – vindo de fora do Sistema Solar – já identificado. No fim do texto, aparece a hipótese de um artefato alienígena, apêndice transformado em título na versão jornalística da “brincadeira”. O motivo dos pesquisadores terem incluído essa hipótese no artigo tem diferentes interpretações possíveis, como indica o astrônomo Cássio Barbosa, e a explicação, como coloca Salvador Nogueira, “embora possível, não faz sentido”. De fato, só o que temos é a exploração excessiva de algo que deveria ter passado para a história como anedota ou, no mínimo, ter recebido títulos mais cuidadosos.

A semana teve assunto destacado além do necessário e fato que precisaria ser mais abordado, e teve também notícia que nem um texto sem fim exploraria à exaustão: a publicação de estudos com DNA fóssil que reescrevem a história do povoamento das Américas, mostrando a existência de um único grupo ancestral de todas as etnias do continente, com traços asiáticos, sem o componente africano presente na teoria tradicional. Esses estudos, além de mudarem a face de Luzia, a “primeira brasileira” – e, em certa medida, de todos nós –, mostram também uma prática científica fascinante, que nos lembra da imensa capacidade criativa dos seres humanos.

O exercício de analisar o que ganha mais ou menos destaque em diferentes veículos jornalísticos, e identificar também aquilo que sequer aparece, é essencial ao desenvolvimento de uma relação crítica com a mídia e, assim, ao combate à epidemia de desinformação da qual tanto se fala, mas me parece que pouco se compreende. Esse olhar deve refletir sobre interesses – econômicos, sociais, corporativos, pessoais – e outros fatores que resultam na produção de uma pauta, e não de outra, mas também precisa levar em consideração o destino dessa produção: leitores, espectadores, internautas, sejam eles reais ou aqueles imaginados por quem produz a informação. No que diz respeito a cada um de nós, e às notícias desta semana, se não passarmos a prestar mais atenção, e rápido, a temas relacionados à proteção da nossa biodiversidade, daqui a 10 mil anos uma nova história do povoamento das Américas terá de entender as razões do nosso sumiço por essas bandas – e a culpa, muito provavelmente, não vai ser nem do meteoro, nem de uma invasão alienígena.

Boas leituras, e uma ótima semana.

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