No Dia Mundial do Meio Ambiente, lixo plástico é tratado como questão individual

No último dia 5, Dia Mundial do Meio Ambiente, pude me sentir mais tranquila em relação ao futuro do nosso planeta: basta eu substituir os canudinhos plásticos, que já não uso, por canudos de metal, ou bambu, e a saúde dos nossos oceanos estará garantida por mais umas centenas de anos. Ou não foi esta a mensagem que a ONU Meio Ambiente quis passar com a campanha #AcabeComAPoluiçãoPlástica, que marcou a data em 2018?

Obviamente, o problema do lixo plástico está muito além dos canudinhos, o que facilmente percebemos quando lemos que, em 2050, poderá haver mais plástico do que peixes nos oceanos, considerando que, das 8,3 bilhões de toneladas de plástico produzidas por nós desde a invenção do material, 6,3 já viraram resíduos, das quais 5,7 nunca passaram por reciclagem! No entanto, boa parte das ações midiáticas concretizadas no Dia Mundial do Meio Ambiente falam apenas dos canudinhos – ou, sendo um pouco mais fiel à realidade, da nossa responsabilidade individual de substituição de materiais descartáveis –, transferindo assim ao consumidor (e não ao cidadão, é importante destacar) um poder que não é dele, de resolver o que o Estadão apresenta como “um desafio do Século”.

A reportagem do Estadão, aliás, me pareceu a mais abrangente na mídia nacional. A Folha de S. Paulo, por exemplo, se limitou a listar 10 atitudes para que possamos, individualmente, diminuir a nossa “pegada plástica” – com o abandono do canudinho entre elas, claro!. Já a matéria do Valor Econômico, que falou no custo financeiro da poluição por plásticos, ilustra uma outra tendência da cobertura nessa área, de reduzir o ambiente à ideia de recurso econômico, deixando de lado, por exemplo, sua compreensão como direito fundamental, dentre outras perspectivas possíveis. No Estadão, Herton Escobar, por sua vez, abre um pouco mais ao leque, explicando o motivo pelo qual o lixo plástico é um problema, detalhando o foco na sua chegada aos oceanos, abordando a questão dos microplásticos e, sobretudo, evidenciando que, além do consumo, é indispensável olharmos também para a produção e para as políticas de reaproveitamento e gestão de resíduos.

Essa tríade – produção, consumo e fim da vida – organiza o relatório divulgado pela ONU no Dia Mundial do Meio Ambiente, que também destaca como os impactos do problema não são apenas econômicos, mas também ambientais, sociais, sobre a saúde humana, dentre outros. O documento traz um conjunto de recomendações para a ação, relacionadas sobretudo à iniciativa governamental, às políticas públicas, bem como ä necessidade de regulação e compromissos corporativos. Estão lá também vários exemplos de boas práticas já adotadas em diferentes países, inclusive da América Latina, que poderiam ter sido pauta da cobertura midiática, o que acabou não acontecendo.

#AcabeComAPoluiçãoPlástica

Campanhas como a que veio vinculada à hashtag #AcabeComAPoluiçãoPlástica são, sem dúvida, uma parte da solução. Ao se tornarem virais, essas mensagens preparam o terreno para mudanças mais profundas. Porém, como sugere a bela capa da National Geographic – que também viralizou –, é urgente irmos além da ponta do iceberg e, para isso, empresas precisam fazer muito mais do que publicar belos anúncios sobre sustentabilidade no Dia Mundial do Meio Ambiente, como várias fizeram, e governos devem ter mais a mostrar do que a criação de uma comissão para começar a pensar no que fazer, como alardeou o nosso. E, por fim, para que não restemos imóveis após adquirir nosso canudinho de bambu, precisamos permanentemente de informação de qualidade para cobrar e fiscalizar poderes públicos e econômicos, além, é claro, de adotarmos hábitos individuais mais sustentáveis.

Uma ótima semana para vocês; é bom estar de volta com Mídia e Ciência!

 

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