Evidência de nova espécie de hominídeo indica que a evolução humana foi muito mais complexa do que se pensava

O dia 10 de abril de 2019 entrou para a história da Ciência: naquela quarta-feira, o anúncio da primeira imagem já produzida de um buraco negro conseguiu ofuscar outra descoberta que não acontece todos os dias. Naquele mesmo dia 10, foi publicado na Nature artigo reportando evidências da descoberta de uma nova espécie de hominídeo em Luzon, maior ilha das Filipinas, que abriga sua capital, Manila. A espécie foi chamada de Homo luzonensis.

A imprensa brasileira, aparentemente, não considerou a descoberta muito relevante, já que foram pouquíssimas as matérias publicadas. Eu identifiquei apenas seis, das quais três têm a mesma origem, a agência de notícias France Presse. Uma quarta também vem de agência – a Reuters – e outra está no El País, traduzida, e não produzida no Brasil. De parabéns estão a Folha de S. Paulo e seu jornalista Reinaldo José Lopes, que publicaram o que me parece ser o único texto genuinamente brasileiro – um bom texto.

Uma diferença pontual é que a matéria de Reinaldo é a única a citar Armand Salvador Mijares, pesquisador da Universidade das Filipinas responsável pela descoberta, ainda em 2007, do primeiro dos 13 fragmentos de ossos fossilizados que agora levaram à proposição de uma nova espécie. Mijares é um dos líderes da equipe envolvida nas pesquisas, junto com o francês Florent Détroit, único citado nos textos vindos… da France Presse! Mas o texto da Folha é melhor em vários outros aspectos, conferindo um sentido à descoberta, e não ficando apenas na “curiosidade” do achado de uns ossinhos que podem ser de um parente nosso de mais de 50 mil anos atrás.

Antes de comentar qual é este sentido, um breve resumo da notícia, caso não tenha visto, o que é bastante provável. O artigo na Nature descreve justamente esses 13 fósseis encontrados em escavações realizadas em 2007, 2011 e 2015: 7 dentes, 3 ossos do pé, 2 da mão e 1 osso da coxa, pertencentes a pelo menos três indivíduos, sendo dois adultos e uma criança. Os fósseis combinam características encontradas nos Homo sapiens modernos com traços típicos de espécies mais antigas, como os Homo erectus e os australopitecos, ainda mais primitivos. E é aí que começam as controvérsias.

Para parte da comunidade científica, a explicação pode estar naquilo que é chamado de endemismo insular, significando que o Homo luzonensis seria resultado de um caminho evolutivo do Homo erectus específico do ambiente insular. Outra hipótese, no entanto, é que se tratem de descendentes de uma migração mais antiga do continente africano para as ilhas, possivelmente de australopitecos, que até agora se imaginava nunca terem saído da África. E as questões e mistérios não terminam por aí, já que não se sabe, por exemplo, como esses nossos ancestrais atravessaram o oceano para chegar às ilhas, dentre várias outras questões.

O que se sabe é que este achado, junto com um outro de 2004 – do Homo floresiensis, conhecido como “Hobbit” devido à sua baixa estatura, encontrado na Ilha de Flores, também nas Filipinas –, mostra que sabemos muito menos do que achávamos que sabíamos sobre a evolução humana. Como coloca a própria Nature, mostra que o Sudeste Asiático insular “parece estar cheio de surpresas paleontológicas que complicam os cenários simples da evolução humana”, aposentando o modelo linear e simplista de chegada do Homo erectus da África e permanência dessa espécie na região até ser substituído por nós, Homo sapiens. Aparentemente, a diversidade do gênero Homo foi muito maior, o que suscita não apenas questões científicas, mas também filosóficas e existenciais.

No entanto, até mesmo os responsáveis pelo estudo admitem que os fósseis encontrados ainda são poucos, e que as evidências de uma nova espécie, embora robustas, podem não ser confirmadas por novos achados. Por isso, em quase todas as notícias que li, pesquisadores em diferentes partes do Globo clamam por mais fósseis, o que provavelmente deve acontecer com a continuidade das escavações.

Aguardemos e, enquanto isso, boas leituras! A gente se vê na semana que vem.

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