Reportagens ufanistas ou alarmistas só atrapalham aproximação entre Ciência e público

Os temas da semana foram o número de crianças brasileiras vacinadas e o retorno de doenças eliminadas no País, especialmente o sarampo. Há cerca de duas semanas, fomos alertados dos índices mais baixos de vacinação nos últimos 16 anos e, no dia 5 de julho, um levantamento da Folha de S. Paulo, a partir de dados do Ministério da Saúde, mostrou que um em cada quatro municípios brasileiros tem cobertura vacinal abaixo do ideal. Naquela data, uma quinta-feira, falava-se em surtos de sarampo em Roraima e no Amazonas, com casos no Rio Grande do Sul. Nos dias seguintes, um bebê morreu de sarampo em Manaus, soubemos que 312 municípios têm alto risco de retorno da poliomelite, fomos alertados de que devemos temer também a coqueluche, a difteria e a hepatite A, e o sarampo chegou ao Rio de Janeiro, ao Mato Grosso e ao Estado de São Paulo.

Nas matérias publicadas, especialistas registram que são várias as causas possíveis para a queda nos índices de vacinação, incluindo dificuldades no acesso aos postos de Saúde, problemas no acompanhamento das crianças atendidas, falsa sensação de segurança em relação a determinadas doenças e valorização excessiva da possibilidade de reações adversas às vacinas. Há mais de um ano, um desses aspectos já aparecia na mídia nacional, como abordamos em uma das primeiras edições de Mídia e Ciência: o fortalecimento do movimento antivacinação no Brasil e no mundo. Naquele momento, dentre outros assuntos, falei da importância do acesso a informação de qualidade e hoje, mais de 12 meses depois e tantos degraus acima na gravidade da situação, volto ao tema, a partir de outro tópico também já tratado por aqui: o jornalismo de Saúde e, mais especificamente, a cobertura da pesquisa em busca de novos tratamentos e da cura para o câncer.

Trago o câncer para cá pois, no dia 28 de junho, São Carlos protagonizou mais um triste – e perigoso – episódio de péssima apuração (para dizer o mínimo…) de notícia na área. O portal ACidade ON São Carlos – do grupo responsável por quatro afiliadas da Rede Globo no interior de São Paulo, incluindo a EPTV São Carlos – publicou, naquele dia, texto intitulado “Tecnologia de luzes criada em São Carlos ilumina o caminho para a cura do câncer”. Não deixando de registrar a falta de criatividade e a pieguice do título (que verifiquei serem recorrentes em matérias sobre a terapia fotodinâmica, assunto do texto, apelidada também de “tratamento iluminado”, dentre outras pérolas similares), devo destacar que o problema mais grave está no subtítulo, que afirma: “Pesquisa alcançou índice de cura de 95% em mais de oito mil casos atendidos”.

Uma pesquisa envolveu o atendimento a oito mil pessoas com variados tipos de câncer e verificou a cura em 7.600 casos? Certamente não, mas a frase leva a este entendimento. O texto completo não resolve a situação, misturando dados claramente não relacionados, muito provavelmente com origem em inúmeras pesquisas diferentes, em estágios distintos de desenvolvimento e relacionadas a terapias que vão de procedimentos estéticos a vários tipos de câncer, passando pela fibromialgia. Além disso, a terapia fotodinâmica é retratada como algo mágico, no texto e nas imagens, como se o simples apontar de um feixe de luz para um tecido danificado o regenerasse imediatamente, como nos filmes de ficção científica e desenhos animados.

O Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica (Cepof), liderado por Vanderlei Bagnato – professor e pesquisador do Instituto de Física de São Carlos (IFSC), da USP –, é um dos principais centros de pesquisa do Brasil, relevante também internacionalmente, e a pesquisa lá realizada – incluindo os estudos em terapia fotodinâmica – sem dúvida já beneficia milhares de pessoas, com potencial de chegar a cada vez mais. Reconhecer isto, no entanto, é totalmente diferente de noticiar uma solução mágica, correndo o grande risco de criar falsas esperanças em milhares de outras pessoas que só terão a perder com o contato com informações de qualidade tão questionável.

O episódio nos lembra da tragédia da fosfoetanolamina, cuja origem também nos leva à cidade de São Carlos. Ainda que estejamos falando de situações completamente distintas – já que, nunca é demais reiterar, as pesquisas do Cepof têm resultados extremamente promissores, aplicações já consolidadas e reconhecimento nacional e internacional –, não me espantaria se, dependendo da repercussão alcançada pela matéria (que eu espero ser mínima!), em breve, tivéssemos filas de pacientes em frente à Unidade de Terapia Fotodinâmica da Santa Casa de São Carlos, inicialmente radiantes de esperança e, depois, raivosos diante da frustração de suas expectativas.

Curiosamente, a publicação do portal ACidade ON traz o seguinte aviso: “Esta reportagem tem a garantia de apuração ACidade ON. Diga não às fake news!”. A formulação, além de simplória, ilustra como a reflexão sobre produção e acesso a informação de qualidade precisa ir além da dicotomia entre verdade e mentira e ser muito mais profunda do que a que temos testemunhado neste momento, em que as fake news estão na moda. Sem isso, daqui a mais 12 meses, não só a incidência de sarampo será um problema ainda mais grave, mas inúmeros outros problemas estarão, cada vez mais, completamente fora de controle em nosso país.

Boas leituras, e uma boa semana.