Fórum Mundial e Fórum Alternativo Mundial têm olhares divergentes para a água

De 18 a 23 de março, aconteceu em Brasília o 8o Fórum Mundial da Água, mais importante evento mundial sobre o tema, que é realizado a cada três anos e, nesta edição, a primeira no hemisfério Sul, recebeu cerca de 40 mil visitantes. O Fórum acontece no marco do Dia Mundial da Água, celebrado em 22 de março e que, em 2018, marca também o início da Década Internacional de Ação “Água para o Desenvolvimento Sustentável”.

A cobertura na mídia começou tímida. Ainda no dia 14, e sem menção direta ao Fórum, um painel da Organização das Nações Unidas (ONU) e do Banco Mundial, formado por 11 chefes de Estado e um assessor, lançou um relatório e a carta aberta intitulada “Faça cada gota contar: uma agenda de ação pela água”. O documento foi notícia apenas no site da própria ONU e em algumas páginas especializadas, como Envolverde e ClimaInfo. Em linhas gerais, a agenda proposta destaca a necessidade de mudanças fundamentais na gestão da água, considerando os dados de que 40% da população mundial é afetada por falta d’água; mais de 2 bilhões de pessoas bebem água insegura e 4,5 bilhões não têm acesso a serviços sanitários; e que 700 milhões de pessoas devem ser deslocadas em busca de água até 2030.

O tema foi reaparecendo nos dias seguintes e alcançou um ápice na segunda-feira, dia 19, com a divulgação de um outro relatório, desta vez da Unesco (órgão da ONU voltado à Educação e à Cultura). Enquanto o primeiro documento falava bastante da necessidade de dobrar os investimentos em infraestrutura nos próximos cinco anos, o novo estudo afirma que somente represas, estações de tratamento de água e esgoto e canais de irrigação da lavoura – obras conhecidas como “infraestrutura cinza” – não serão suficientes para garantir disponibilidade de água, ressaltando assim a importância das chamadas soluções baseadas na Natureza, também conhecidas como “infraestrutura verde”. Trataram do tema a Folha de S. Paulo (com infográficos bastante claros e contundentes sobre o problema da escassez de água), o Valor Econômico, O Globo e o Estadão (com a cobertura mais diversificada e atenta sobre o Fórum, na minha avaliação), dentre outros veículos.

Durante a semana, tivemos olhares bastante diversificados para a água, inspirados pelo Fórum. O Globo e o Estadão, por exemplo, comentaram o estudo inédito divulgado pelo IBGE, intitulado Contas Econômicas Ambientais da Água, que relaciona a quantidade de água utilizada ao PIB brasileiro no ano de 2015. O estudo mostra, dentre vários outros indicadores, que para cada R$ 1 adicionado ao PIB, são usados seis litros de água, e que a agropecuária é, ao mesmo tempo, a atividade que mais retira água da Natureza e a que o faz com menos eficiência. O tom irônico da cobertura, por sua vez, veio do fato de Brasília estar sujeita há mais de um ano a racionamento de água, suspenso na região do evento durante a realização do Fórum. Porém, apesar desta e de várias outras abordagens, um aspecto central nas discussões foi negligenciado: o conflito entre a água considerada como mercadoria ou como direito, e as consequências de uma ou outra visão.

Fórum Alternativo Mundial da Água

Apesar da sua relevância, o Fórum Mundial da Água é fundamentalmente um evento econômico, bancado pela iniciativa privada, que olha para a água essencialmente como recurso. Como é comum acontecer com eventos dessa natureza, paralelamente aconteceu o Fórum Alternativo Mundial da Água, que, apesar da sigla – Fama –, foi praticamente ignorado pela mídia. O Fórum Alternativo reúne movimentos sociais – indígenas, quilombolas, pescadores, atingidos por barragens, dentre outros – para debater a água na perspectiva de direito humano fundamental e buscar alternativas de gestão participativa – e eficiente – da água como bem público. Que eu tenha identificado, apenas veículos alternativos falaram do Fama, alertando – como fez a Rede Brasil Atual, por exemplo – que, apesar da ONU ter declarado o acesso à água de qualidade como direito humano fundamental (ainda que tardiamente, em 2010), nenhum país segue essa recomendação até o momento.

O debate sobre as implicações de considerar a água como mercadoria ou direito não cabe aqui, mas fica o alerta de que é importante buscar compreender essa diferença. Além disso, destaco que, no mesmo momento em que a cobertura sobre o Fórum Mundial da Água demorava a engrenar, e o Fórum Alternativo Mundial da Água era sumariamente ignorado, um estudo que identificou micropartículas de plástico em 93% de 250 garrafas de água mineral analisadas, de 11 marcas líderes no mercado mundial, ganhou a atenção de vários dos principais jornais. Pensar porque algumas coisas são pauta e outras não é também uma reflexão indispensável, e não adianta se limitar a culpar a mídia.

Boas leituras, e uma ótima semana.

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