Estudo sobre “fake news” publicado na Science ajuda a refletir sobre o problema

“Fake news” se espalham mais rapidamente que notícias verdadeiras no Twitter – graças às pessoas, não a robôs. Este é – em tradução minha – o título com o qual a Science anunciou, na semana passada, a publicação de um estudo que, rapidamente, virou manchete em todo o mundo. A segunda parte da frase – “graças às pessoas, não a robôs” – é a mais importante, a maior novidade, mas não a que mais chamou a atenção da mídia brasileira, que, em geral, publicou títulos enfatizando só a primeira conclusão.

As “fake news” são a bola da vez. Desde, pelo menos, o início do ano, é difícil ler o jornal sem dar de cara com um texto sobre o tema. Primeiramente, é importante notar o uso recorrente da expressão “fake news”, e não “notícias falsas”, por exemplo. “Fake news” traz com ela muito mais do que só a ideia de informações não verdadeiras: falar de “fake news” é falar da eleição de Donald Trump nos Estados Unidos em 2016, da intervenção russa e, também, da guerra do hoje Presidente com a mídia; é também falar do poder e dos impactos das redes sociais e outras tecnologias de informação e comunicação, bem como da crise da mídia tradicional e da identificação, por essa mídia, de uma janela de oportunidade para recuperação de sua relevância; é falar da polarização política que estamos enfrentando, da impossibilidade do diálogo; e, por fim, é também mexer no vespeiro da discussão sobre regulação e/ou controle público da mídia.

Não quero minimizar a importância das “fake news”. No entanto, essa cruzada – particularmente a das grandes empresas jornalísticas – contra elas me parece um risco de erguermos uma cortina de fumaça que dificulte ainda mais a compreensão de uma complexidade à qual, se tivéssemos prestado mais atenção antes, estaríamos hoje melhor preparados ou, talvez, sequer tivéssemos chegado às “fake news”. Voltando ao estudo e à sua conclusão aparentemente mais surpreendente – de que são pessoas, e não robôs, as maiores responsáveis pela disseminação das “fake news” –, é preciso então que olhemos para as pessoas, as que publicam e as que lêem e compartilham essas notícias. E que o façamos indo muito além da solução fácil – teoricamente, ainda que não na prática – da checagem de notícias, da classificação do mundo em verdadeiro ou falso.

Na cobertura sobre o estudo, uma das coisas que mais me incomodou foi a afirmação, no Estadão, de que 16 pesquisadores (o jornal fala em 15, mas são 16), em um comentário publicado no mesmo número da Science, estariam propondo como solução para o problema das “fake news” a realização de pesquisas sobre a eficácia de cursos visando formar crianças e jovens para que possam reconhecer as fontes ilegítimas de notícias. A afirmação me incomodou, primeiro, por parecer estar dizendo que ainda não existem estudos e, também, por se restringir mais uma vez ao dualismo entre fontes “boas” ou “más” – simplificação exacerbada no infográfico do Estadão com “dicas de como identificar uma notícia falsa”. Mas, lendo o texto original, verifiquei que o posicionamento dos cientistas era bem mais complexo do que isto, propondo medidas em duas linhas, que olham justamente para as pessoas que publicam (por meio de mudanças estruturais para prevenir a exposição das notícias falsas) e para as pessoas que lêem (por meio da formação e do empoderamento para que possam avaliar a qualidade das fontes de informação). Vale a pena conferir!

Fake news e educação para as mídias

Eu teria muito mais a dizer sobre o assunto, mas, no espaço que me resta, destaco essa ideia de avaliação da qualidade das fontes de informação, em oposição a clicar nos quadradinhos do verdadeiro ou do falso. Já existe todo um conhecimento acumulado, bem como práticas de educação para as mídias, inclusive no Brasil, que precisam ter mais visibilidade. A educação para as mídias com a qual eu me identifico, e defendo, e busco praticar aqui em Mídia e Ciência, combate a visão das pessoas como vulneráveis a uma mídia cruel, contra a qual precisariam ser inoculadas. No lugar, propõe uma preparação para a vida em uma cultura da mídia que envolva o olhar crítico para o processo de produção das notícias (e das “fake news”!), para as características do texto (e das imagens) midiático e, por fim, para como esses textos são recebidos por leitores e espectadores.

Assim, para concluir, destaco o alerta de que, quando falamos em olhar para a recepção, estamos dizendo que é importante estarmos atentos também ao lugar de onde lemos, ou assistimos, as notícias. Sermos críticos em relação às nossas próprias crenças e convicções. Há alguns dias, assisti ao debate sobre a incorporação de 10 novas práticas integrativas e complementares – como aromaterapia, terapia de florais e constelação familiar – ao Sistema Único de Saúde (SUS), em um dos jornais da Globonews. Após a notícia, que expunha a polêmica causada, uma jornalista manifestou como só estava viva devido à homeopatia; outra, como a acupuntura amenizava suas dores; e, todas juntas, ponderaram que, apesar disso, talvez haja algum exagero na medida para o SUS… Oras, se até mesmo a mídia dita real, séria – em oposição às “fake news” –, tem agentes que usam a si mesmos como medida de todas as coisas, como neste caso, como esperar que as pessoas sejam críticas, primeiro, em relação às suas fontes de informação e, também, às suas próprias tendências capazes de enviesar a compreensão dessa informação?

Uma boa semana, com muita crítica e reflexão!

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