A teoria do agenda-setting, proposta originalmente em 1972, por Maxwell McCombs e Donald Shaw, é uma das formas de buscar compreender o papel e os efeitos da mídia nas sociedades contemporâneas. A premissa básica é que a mídia pode até não ser capaz de nos dizer o que pensar, ou como pensar sobre um determinado assunto, mas ela define os temas de debate a serem colocados em evidência na agenda pública. Assim, é objetivo das estratégias de relações públicas pautar a mídia, para que esta paute a opinião pública.

Na semana que passou, a comunidade científica brasileira – em parceria com alguns jornalistas engajados na causa – deu um show de agenda-setting. Claramente orquestrado, o discurso sobre a situação dramática da C&T brasileira diante dos sucessivos cortes orçamentários e contingenciamentos de recursos começou a ganhar visibilidade a partir do dia 11 de julho, quando foi realizado seminário na Câmara dos Deputados organizado pela Frente Parlamentar de Ciência, Tecnologia, Pesquisa e Inovação, e os dirigentes dos 19 institutos de pesquisa vinculados ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC) publicaram manifesto sobre os riscos de interrupção de suas atividades diante da falta de recursos.

O primeiro a noticiar o manifesto, no dia 13, foi o blog Direto da Ciência, de Maurício Tuffani. O jornalista Herton Escobar – um personagem central no processo aqui narrado – abordou o tema no seu blog no Estadão no dia 14 e, no dia 17, levou o alerta às páginas internacionais da Science. Outras movimentações continuaram acontecendo no Congresso ao longo da semana do dia 11, gerando novas notícias. Nessas abordagens iniciais, já estavam presentes as afirmações de que, em breve, não haverá dinheiro sequer para despesas básicas como as contas de água e luz; de que as atividades terão de ser interrompidas, causando danos irreversíveis e a fuga de talentos para o exterior, problemas cuja solução demandará longos anos; e de que os recursos destinados à C&T, ao invés de despesas, são investimentos essenciais inclusive à recuperação econômica do País.

Estavam presentes também Helena Nader, Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) até o dia 20 – quando foi sucedida por Ildeu de Castro Moreira –, e Luiz Davidovich, Presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), que viriam, no domingo, dia 16, a ser personagens do ponto alto do show: a reportagem sobre o drama da Ciência brasileira veiculada no Fantástico e reproduzida à exaustão nas redes sociais de qualquer pessoa com ao menos um amigo na comunidade científica. O domingo também marcou o início da 69a Reunião Anual da SBPC, que continua até 22 de julho, e tem mantido a pauta da defesa da Ciência e da Tecnologia brasileiras em foco, inclusive com balões de ensaio sobre a criação de um partido político e o lançamento de candidaturas ao Congresso Nacional de lideranças científicas, tudo em defesa exclusivamente da Educação e da CT&I – como noticiou, novamente, Herton Escobar, presente à Reunião.

O momento, sem dúvida, exige toda essa atenção, e é estratégico, já que o orçamento para 2018 está sendo definido, com a previsão de novos cortes no horizonte. Porém, é preciso cuidado com a dose, e o tom, já que, na minha opinião, a matéria do Fantástico, muito particularmente, retrata uma Ciência tão, tão, mas tão sucateada, que talvez seja difícil sentir o orgulho necessário ao engajamento em sua defesa. Além disso, a reportagem traz uma visão utilitarista que, na minha opinião, é bastante deletéria à consolidação de uma cultura científica no Brasil, dentre outras ressalvas. Por fim, resgato a coluna publicada por ocasião da Marcha pela Ciência, em abril, quando eu já registrava minha percepção de que é preciso estarmos alertas, de um lado, ao discurso da isenção científica e, de outro, à necessidade de um diálogo perene e qualificado com diferentes públicos, para além de espetáculos como o desta semana – que, embora necessário, sem dúvida é insuficiente.

O discurso da isenção encastela e, assim, distancia. Se, antes, ele se traduzia na afirmação do apartidarismo, da separação entre Ciência e Política, agora ele ressurge no que eu vejo como um isolamento da comunidade científica em um partido próprio. A Ciência e a Tecnologia sem dúvida precisam de defensores no Congresso Nacional – e em inúmeras outras esferas da vida pública –, e lideranças científicas podem vir a se revelar bons líderes políticos. Mas eu entendo que esses defensores devem estar em todos os partidos – ou, pelo menos, em vários deles – e, também, nos diferentes espaços cotidianos onde alegamos, tão frequentemente, que o conhecimento científico está presente.

Além das notícias já registradas, sugiro também a cobertura de Herton Escobar sobre a participação da Capes na Reunião da SBPC e, especialmente, de Marcos Cintra, Presidente da Finep, que levanta a questão fundamental da diferença entre cortes orçamentários lineares e a definição de prioridades. E, já que estamos no Estadão, sugiro também a leitura do artigo de José Goldemberg, Presidente da Fapesp, sobre o papel dos cientistas na sociedade, mas com uma ressalva: embora interessante, discordo da premissa fundamental, a de que os cientistas não podem “ter a ilusão de poder definir as políticas adotadas pelos governantes”. Para mim, eles não devem ficar na ilusão, mas sim agir para ter essa influência e, sobretudo, se responsabilizar sempre não apenas pela qualidade científica de seu trabalho, mas também pelos seus impactos sociais.

Boa leitura, e boa semana.