O título desta edição de Mídia e Ciência é uma citação. Ele reproduz, em tradução livre, o título de artigo de opinião publicado no dia 20 de abril no site do New York Times, de autoria de Bill McKibben, especialista e militante na área das Ciências Ambientais e dos estudos climáticos. Nele, McKibben faz um alerta dos efeitos dramáticos e duradouros – pelos próximos milênios – que a presidência de Donald Trump poderá ter sobre o nosso planeta e a vida na Terra.

Além de introduzir nosso tema desta semana – que não poderia ser outro que não a Marcha pela Ciência –, ele também dialoga com a data de hoje, 28 de abril, em que o País está em greve geral contra as reformas do governo de Michel Temer. E não é acidental essa associação.

Como já registrado em edição anterior da coluna, nos Estados Unidos, onde o movimento da Marcha pela Ciência surgiu, nas semanas que antecederam o evento houve muito debate sobre a propriedade – ou impropriedade – do envolvimento de cientistas com a política. Da parte daqueles que criticavam a Marcha, o argumento era de que a Ciência deve ser “apartidária”, já que “o método científico existe justamente para tentar reduzir interpretações enviesadas do mundo”. Também foram expressas preocupações de que o movimento fosse associado com a posição política à esquerda ou visto como um lamento de elites ameaçadas.

E, no Brasil, para o qual a ideia da Marcha foi importada, também foi importado o discurso da “isenção científica”, e não apenas nas chamadas para o evento, que invariavelmente destacavam o seu caráter apartidário. Já durante a Marcha em São Paulo, essa ilusão de possibilidade de neutralidade chegou ao ponto de levar organizadores a repreender discursos mais inflamados contra o Governo.

Oras, mas não era contra as políticas de Temer que estávamos protestando, em defesa da Ciência contra os cortes orçamentários que, para 2017, chegaram a níveis inimagináveis a alguns anos? Não foi em reação ao discurso e atos anticientíficos de Donald Trump que a própria ideia da Marcha surgiu? Como, então, nos manifestarmos sem oposição a essas figuras e tudo que representam? Para além disso, como continuar alimentando essa ilusão de que a Ciência está acima do bem e do mal e é portadora da verdade absoluta?

A comunidade científica e as pessoas que a apoiam têm, já de partida, um lado nessa história: aquele que reivindica que políticas públicas e tomadas de decisão aconteçam com base em evidências, evidências estas que necessitam de investimentos para serem produzidas. Este não é, definitivamente, o lado dos governos de Donald Trump e Michel Temer, guardadas as devidas proporções, e buscar a construção de um movimento que aproxime pessoas com diferentes convicções políticas da Ciência e dos cientistas é bem diferente de não se posicionar.

Suspeito, inclusive, que seja essa pretensão de afastamento da arena política uma das causas da baixíssima adesão que a Marcha teve no Brasil. Em São Paulo, as estimativas mais otimistas falam em 500 participantes, número que é menor em todas as outras cidades. Outro motivo me parece ter sido o pouco destaque dado pela mídia à Marcha antes que ela acontecesse, já que, após a sua realização, a falta de sucesso em termos de engajamento do público ganhou muito mais ênfase. Nisto, infelizmente o Brasil não copiou os Estados Unidos, onde o assunto permaneceu em foco desde o início deste ano, com análises diversificadas e, muitas vezes, em profundidade. Aqui, tivemos alguns poucos textos antes do dia 22, em geral com pouco além de clichês e expressões dramáticas como “situação catastrófica”, “amputação” – e não corte – do orçamento e a afirmação de que a Ciência não viverá nem a “pão e água”, pois faltará o pão.

Nos Estados Unidos, outra característica foi que, já antes da Marcha, falava-se no evento como o passo inicial de um movimento que tem de ser perene. Esta foi a tábua de salvação à qual se agarrou parte da comunidade científica brasileira após o evento. Um dos discursos mais frequentes nesses últimos dias é de que a Ciência tem de se aproximar da sociedade, que é preciso mostrar como ela é “gostosa” e o impacto que ela pode ter no cotidiano, nas palavras de uma pesquisadora registradas em matéria da Folha de S. Paulo.

Eu concordo. Porém, é preciso muito cuidado ao nos agarrarmos a essa tábua. Não é de hoje a defesa de que é preciso investir na disseminação do conhecimento científico e tecnológico e, assim, da cultura científica. Tampouco começaremos agora a tentar dialogar com públicos diversificados. Se imaginarmos que toda essa comoção em torno do cientista que “fala com a sociedade” é inédita e necessariamente transformadora, fracassaremos, como já nos comovemos e fracassamos em outras ocasiões. É preciso agir, com planejamento e regularidade, para além do ímpeto. É preciso ir muito além de “feiras de ciências” que ficam a distâncias astronômicas do prazer e da diversão aos quais a comunidade científica tem acesso na sua prática cotidiana. É preciso rever criticamente o que concretizamos a partir dos conceitos de “lúdico” ou “descomplicado”, para que deixemos de oferecer à população apenas migalhas desse prazer e dessa diversão. Não é fácil, mas é justo que mais pessoas tenham acesso de fato a esse prazer e a essa diversão, que certamente defenderão quando conhecerem.

Para que não fiquemos tão mal humorados quanto esta coluna, mas ao mesmo tempo não percamos o foco, minha dica de leitura é o texto da pesquisadora Lily Cohen publicado na Scientific American que inicia com a seguinte frase: “Na semana passada, eu me mijei toda para estudar as mudanças climáticas no Alasca”. Literalmente, já que a pesquisadora relata suas desventuras com um funil que, teoricamente, a permitiria urinar em pé na estação de pesquisa gelada durante seus estudos de campo. Além de divertido, o texto nos remete a um outro tópico importante nos debates ao redor da Marcha pela Ciência: a pertinência de nos dirigirmos à temática da inclusão e da diversidade no universo da C&T.

Boa leitura, e boa semana.