Mas, afinal de contas, os bichos vão bem ou vão mal? Mariana Pezzo 17 de março de 2017 Coluna Mídia e Ciência Esta foi uma semana sem grandes temas dominando o noticiário de C&T. A única imagem recorrente foi a de Pan, pequena lua de Saturno cujo formato inusitado levou a comparações recorrentes com raviólis, empanadas e hambúrgueres. Curiosidades a parte, a notícia publicada na Smithsonian Magazine indica possíveis motivos para o formato que aguçou a criatividade de astrônomos e jornalistas, e que ilustra esta coluna, em imagem da Nasa. Neste contexto – de ausência de um destaque claro –, o que chamou a minha atenção em particular foram duas reportagens da Folha de S. Paulo sobre a fauna paulista, no primeiro caso, e brasileira, no segundo. No dia 11, mereceu a capa da edição impressa e o selo “Dias Melhores” – recém-criado para identificar boas notícias – a reportagem “Animais nativos resistem em meio a canaviais de São Paulo, atestam cientistas”. O relato é de estudo realizado por pesquisadores do Instituto de Biociências da Unesp de Rio Claro, um censo de mamíferos de médio e grande porte realizado em 22 fragmentos de Mata Atlântica circundados por plantações de cana no Estado de São Paulo. Das 31 espécies existentes originalmente na região, foram avistadas 29. Sim, há uma boa notícia envolvida, e a própria Folha a resume: “Apesar de todo o impacto agrícola em solo paulista, ainda não aconteceram extinções de mamíferos que afetem o Estado todo. O esforço agora deve se concentrar na criação de corredores ecológicos que conectem as populações da fauna”. Porém, me parece bastante exagerada a inclusão na seção Dias Melhores que, juntamente com outras características do texto, comemora um pouco demais os fatos de que “ainda não aconteceram extinções” e que, como o próprio pesquisador Mauro Galetti comenta – tenho a impressão de que com alguma dose de ironia –, bastaria cumprir a legislação brasileira para que os animais pudessem ficar um pouco mais seguros. Chamam a atenção, sobretudo, diferenças entre a versão publicada na edição impressa – muito mais otimista – e o texto divulgado online, o que ilustra um aspecto importante do processo de produção da notícia: a edição. Por exemplo, para anunciar que algumas espécies que precisam de grandes áreas de mata fechada já são bastante raras, o texto publicado online inicia dizendo que “É claro que a situação está longe de ser um mar de rosas: […]”. No jornal impresso, como preâmbulo para a mesma informação, lemos que “É claro que a situação não é perfeita: […]”, o que não me parece uma simples questão de estilo, ainda mais quando notamos que está ausente da versão impressa também a forte correlação entre a quantidade de área com cobertura florestal e o número de espécies encontradas. Ou, em outras palavras, como coloca o artigo científico que relata os resultados – publicado na revista Biological Conservation –, que em várias das áreas estudadas (aquelas com pouca cobertura de floresta) já há perdas de 50% a 80% das espécies! Por fim, outro aspecto ao qual é dada pouca atenção é que, embora uma das conclusões seja que não há perda geral da biodiversidade, isto se dá porque espécies especialistas são substituídas por outras típicas de habitats não florestais ou, até mesmo, exóticas. Ou seja, as notícias não são tão boas assim, e dias melhores dependem de algo que historicamente não acontece no Brasil, que é o cumprimento da legislação ambiental. Para quem quiser conferir, recomendo, além dos textos da Folha, o que foi publicado pela Agência Fapesp , no qual inclusive está o link para o artigo original. Na segunda-feira, dia 13, mais uma má notícia para os bichos: na editoria de Ciência e Saúde – embora sem qualquer abordagem do ponto de vista da Ciência –, a mesma Folha falou sobre o projeto de lei que pretende regulamentar a caça de animais silvestres no Brasil, proibida desde 1967. Para encerrar, nossa dica esta semana é um artigo publicado na revista do Smithsonian – reproduzido de outra publicação, a Hakai Magazine –, que ilustra como a história da construção do conhecimento científico não é desinteressada e livre de erros e tropeços. A história fala do arqueólogo franco-canadense Jacques Cinq-Mars, cujas descobertas nas décadas de 1970 e 1980 evidenciaram uma chegada da espécie humana às Américas muito anterior à data aceita até aquele momento. No entanto, essas evidências foram ignoradas durante muito tempo, ao longo de toda a carreira de Cinq-Mars, até a publicação de um artigo no início deste ano. Boa leitura, e boa semana.