Gol jornalístico: Ciência feita no Brasil ganha boas histórias Mariana Pezzo 14 de junho de 2018 Coluna Mídia e Ciência Reportagem sobre novo acelerador de partículas aproxima público da Ciência que é feita no País Em edições anteriores de Mídia e Ciência – geralmente sobre o financiamento da Ciência brasileira –, eu alertei como é comum que a defesa dos investimentos em C&T seja feita sem muito esforço para descrever e explicar a importância de se produzir conhecimento científico. O discurso é: eu sou um cientista e estou dizendo que o que faço é muito importante; acredite em mim e, assim, me ajude a defender o que eu garanto que vale a pena ser defendido! Reportagens publicadas nos últimos dias, no entanto, são exemplos de como podemos ir além dessa defesa às escuras, ilustrando como o conhecimento científico produzido por aqui pode não apenas ser útil, mas também colocar o Brasil em lugar de destaque internacionalmente. Em texto publicado na Folha de S. Paulo no último dia 11, Reinaldo José Lopes fala da construção, em Campinas, do acelerador de partículas Sirius, que está em sua reta final. Ele será o segundo de sua categoria a ser instalado em todo o mundo e, em vários aspectos, o mais avançado. O Sirius não é uma empreitada barata e, levando isto em consideração, a reportagem destaca não só esse pioneirismo brasileiro – que pode afagar a autoestima do leitor –, mas também elenca a diversidade de aplicações que a pesquisa desenvolvida com o acelerador poderá ter. Tratar de aplicações da pesquisa científica não é, no entanto, exatamente inovador, já que esta é uma estratégia comum para defender a relevância da Ciência, especialmente em momentos de cortes de recursos – o que, como registra matéria, publicada dias antes no G1 Campinas, é um risco que o Sirius corre no momento. Mas o texto de Reinaldo Lopes vai além, e este é um diferencial. Explicar como funciona aquela que, nas palavras do próprio jornalista, é a “máquina mais complicada já construída por pesquisadores brasileiros”, não é tarefa fácil, mas o repórter aceitou o desafio e o cumpre com maestria. Eu, que me considero razoavelmente bem informada sobre o Sirius e equipamentos parecidos – considerando a média da população, e não especialistas ou pessoas especialmente interessadas no assunto –, só agora consigo dizer, com minhas próprias palavras, que naquele anel gigante, elétrons são acelerados para emitir uma certa radiação que permite “enxergar” detalhes e assim compreender melhor os mais diferentes materiais. Tudo bem que eu não saiba dizer com precisão o que é radiação, ou que esta minha frase contenha algum equívoco; estou certa de que, no mínimo, levantei a tampa da caixa-preta do Sirius e consegui dar uma espiada! E o que causa esse efeito? Me parece muito importante, além de curiosidade e coragem, o uso de boas metáforas e analogias: o autor fala que o Sirius é uma espécie de aparelho de tomografia, mas com muito mais resolução. Oras, grande parte das pessoas conhece o resultado de um exame de tomografia e, assim, tem um ponto de referência para ao menos imaginar para que serve o acelerador. Além disso, o texto tem várias camadas de entendimento possível, construídas de forma que não espantam o leitor mais iniciante, como eu, nem entediam aquele com um pouco mais de informação. E, por fim, o repórter, que visitou as obras do Sirius, consegue nos levar por um passeio pelas instalações e nos contar os desafios e imensas dificuldades envolvidas na sua construção, transformando um ilustre desconhecido em um novo amigo sobre quem queremos saber mais… Ciência brasileira E esta não foi a única aparição da Ciência brasileira na mídia na semana que passou. Dentre outros, recomendo também a leitura de texto de Herton Escobar, no Estadão, que fala de descobertas sobre toxinas produzidas pela jararaca, mais uma vez com propriedade e precisão. Durante muito tempo, uma das principais críticas ao jornalismo científico brasileiro foi que ele falava muito pouco de Brasil. Em alguns veículos e pelas mãos de ainda poucos profissionais, essa situação parece estar em uma tendência de mudança, o que não poderíamos deixar de elogiar e comemorar aqui em Mídia e Ciência. Boas leituras, e uma ótima semana. Mídia e Ciência também disponível em vídeo