A Universidade de São Paulo (USP) esteve no foco na última semana. No dia 30 de outubro, aconteceu votação de grande relevância para o futuro desta que, apesar dos pesares, continua sendo a principal universidade brasileira, responsável por 22% da produção científica do País. Neste dia, um colégio eleitoral formado por 2.097 integrantes da comunidade uspiana, sendo 85% docentes, indicou o atual Vice-Reitor da USP, Vahan Agopyan, como primeiro nome na lista tríplice a partir da qual o Governador do Estado, Geraldo Alckmin, irá escolher o futuro Reitor – ou Reitora – da Instituição. Os outros nomes incluídos foram os de Maria Arminda do Nascimento Arruda, Diretora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), e Ildo Sauer, Vice-Diretor do Instituto de Energia e Ambiente.

Dias antes, a Folha de São Paulo publicou matéria intitulada “Suicídio de doutorando da USP levanta questões sobre saúde mental na pós”, texto que, ao menos no meu círculo social, marcadamente universitário, ganhou bastante repercussão. A notícia parte, como o título já indica, do suicídio de um estudante no Instituto de Ciências Biomédicas da USP, para elencar como algumas características próprias do ambiente da pós-graduação poderiam contribuir para condições psicológicas que elevam os riscos de suicídio.

Vários aspectos dessa matéria, no entanto, causam estranhamento. O primeiro deles é o próprio fato dela existir, já que o suicídio em questão aconteceu há dois meses. Porque, então, torná-lo notícia agora? Poderia ser um “gancho” para noticiar estudo recente sobre a saúde mental de universitários, ou um evento sobre o tema… Mas não foi. O texto, inclusive, registra que há poucas pesquisas tratando da influência da pós-graduação sobre a saúde mental dos estudantes, citando muito ligeiramente um estudo de 2009 realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e outro publicado neste ano, mas na Bélgica. De resto, entrevista não pesquisadores, mas sim responsáveis pelos serviços de atendimento à comunidade universitária em diferentes instituições, que registram suas opiniões ou, no máximo, impressões advindas do cotidiano vivido junto a essa população. Relevante, mas não suficiente, do meu ponto de vista.

Outro ponto muito estranho é a solicitação para que pós-graduandos enviem à Folha seus depoimentos sobre transtornos mentais vivenciados durante a pós-graduação. Fico curiosa em saber o fim que o jornal pretende dar a esses depoimentos… Há alguns meses, durante a campanha de conscientização sobre a importância de prevenção ao suicídio chamada de Setembro Amarelo, o Ministério da Saúde lançou uma cartilha de boas práticas na divulgação de casos e/ou na abordagem do tema pela mídia. Várias das recomendações estão relacionadas a prevenir o chamado “efeito contágio”. Identifiquei, no texto da Folha, características que contrariam, no mínimo, 7 das 13 principais recomendações da cartilha. Dentre elas está o destaque dado à notícia – que foi inclusive para a capa do jornal impresso –, a divulgação do teor do bilhete suicida deixado e a sugestão de associação direta entre problemas enfrentados no desenvolvimento da tese de doutorado e o ato suicida.

Aparentam sensacionalismo para mim também – além de uma boa dose de irresponsabilidade – o uso de uma foto de outra pessoa no mesmo laboratório em que o suicídio aconteceu (com uma mensagem implícita de que aquela pode ser a próxima vítima…), a relação estabelecida entre a crise de financiamento da C&T e a prevalência de depressão e ansiedade entre pós-graduandos, além da coleta de depoimentos já mencionada, dentre outros aspectos.

Não que a questão não mereça atenção. Estudos em diferentes partes do mundo apontam tendências de crescimento no número de suicídios na população em geral e em algumas populações em particular – como entre idosos e em jovens do sexo masculino, por exemplo. O ambiente acadêmico sem dúvida tem as suas particularidades, e aparentemente demanda pesquisas que possam subsidiar o planejamento de estratégias de prevenção e tratamento de problemas relacionados à saúde mental. Mas, como destaca a cartilha do Ministério da Saúde, o suicídio é um fenômeno muito complexo que não pode ser tratado sem o devido cuidado e muita responsabilidade, sob risco de agravarmos ainda mais um quadro que já causa preocupação.

A universidade pública brasileira, por sua vez, também está merecendo atenção e reflexões cuidadosas, e os temas que ganharam destaque no processo de escolha do novo dirigente da USP refletem isso. A recuperação do financiamento para a Educação e a Ciência e Tecnologia brasileiras sem dúvida é uma batalha a ser travada. Mas precisamos tomar cuidado para que ela, ao exigir muitas energias, não impeça outros debates igualmente importantes, sobre, por exemplo, a formação que estamos oferecendo a graduandos e pós-graduandos e os indicadores de qualidade e desempenho que estamos privilegiando. Estas são, aliás, reflexões fundamentais para evitar que um ambiente que já vem sendo apontado como inóspito se torne cada vez mais uma fonte de sofrimento.

Boas leituras, e boa semana.

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