Mais Rita Lobo, menos Bela Gil Mariana Pezzo 22 de setembro de 2017 Coluna Mídia e Ciência Em meio a um mar de notícias sobre o fim dramático da missão Cassini em Saturno – cujas coberturas da Folha de S. Paulo, de Salvador Nogueira, e do G1, com a participação do astrônomo Cássio Barbosa, estão de parabéns –, sobre a presença de dois estudos brasileiros entre os vencedores do IgNobel e sobre terapias alternativas para o câncer (a partir da morte do jornalista Marcelo Rezende), foram surgindo, um aqui outro ali, textos que resultaram em um mosaico interessante e simbólico sobre um tema que, ao mesmo tempo, tem uma presença avassaladora e algumas ausências importantes na tal “sociedade da informação”, neste caso mais apropriadamente chamada de “sociedade do espetáculo”: a alimentação. No sábado, 16 de setembro, o The New York Times publicou uma reportagem especial esclarecedora sobre como a mudança de estratégia das grandes indústrias alimentícias multinacionais – como Nestlé, PepsiCo e General Mills – está causando uma epidemia de obesidade e doenças associadas na América Latina, Ásia e África. O texto, disponível em Português, acompanha vendedoras porta a porta da Nestlé em sua rotina diária nas vizinhanças mais pobres da cidade de Fortaleza, levando alimentos processados ricos em calorias e pobres em nutrientes, além de baratos, a pessoas que muitas vezes têm dificuldades de acesso a quaisquer tipos de alimento e, especialmente, aos mais saudáveis. A reportagem destaca como essa atuação altera não apenas hábitos alimentares tradicionais, mas a própria agricultura. Falando em alimentação e tradição, aliás, não poderia deixar de ao menos registrar a polêmica envolvendo a chef Roberta Sudbrack e a produção artesanal brasileira nesta semana. Mas, voltando ao nosso tema, é importante resgatar que, em 2011, um blog no Estadão havia tocado no assunto das multinacionais determinando a dieta dos brasileiros, mas citando o britânico Financial Times. É muito preocupante que a mídia estrangeira aparentemente esteja mais atenta ao fenômeno que a nacional, onde, de outro lado, não faltam notícias sobre a mais nova moda alimentar, em geral acessível apenas à parcela mais endinheirada da população. No dia 20, a Agência Fapesp destacou um estudo da Unicamp que indica como a alimentação desbalanceada pode causar alterações no cérebro e na nossa flora intestinal que tornam cada vez mais difícil o emagrecimento. Até o momento, nem uma palavra em grandes veículos de Imprensa. Enquanto isso, o Estadão publicou um caderno especial intitulado “Segurança Alimentar” patrocinado pela TetraPak e dedicado a louvar os benefícios da embalagem fabricada pela empresa! O patrocínio estava explícito – mas não evidente para leitores desavisados. O caderno integra a plataforma Estadão MediaLab, uma novidade que reúne projetos “em parceria” com os anunciantes do jornal. É o chamado branded content, estratégia que, para a área do marketing, parece ser a atual galinha dos ovos de ouro, mas para o jornalismo crítico e independente – assim como para leitores e espectadores vulneráveis – é um perigo em relação ao qual não é trivial estarmos preparados para enfrentar. No mesmo dia 16 da matéria do NYT, Dráuzio Varella publicou na Folha a coluna “Gordura x Carboidratos”, sobre um estudo que, segundo ele, foi “divulgado amplamente pela imprensa leiga”. Não no Brasil. Frente a algumas características desta e outras pesquisas, Varella conclui relembrando a avó que dizia: “Gastam tanto dinheiro nesses estudos, para concluir o que sempre recomendei: coma de tudo um pouco, sem exageros.”. Na primeira leitura, confesso que fiquei incomodada com essa posição um pouco desqualificadora do conhecimento científico. Estou certa de que esse conhecimento é extremamente relevante tanto para compreendermos o problema quanto para buscarmos as soluções. Mas, depois, a reflexão a partir dos outros textos mencionados aqui me levou a concordar que, em vez de racionalizarmos demais nossas escolhas alimentares – como pode favorecer a abordagem de Bela Gil –, precisamos mesmo é sermos razoáveis, equilibrados e comer “comida de verdade”, como propõe a bela Rita Lobo e sugere o colunista. Pensem nisso quando forem jantar hoje! Bom apetite, boas leituras e uma ótima semana!