A ignorância pode matar seu filho Mariana Pezzo 26 de maio de 2017 Coluna Mídia e Ciência O Estado de São Paulo publicou, no último dia 21, reportagem especial sobre o fortalecimento do movimento antivacinação no Brasil e a preocupação do Ministério da Saúde com quedas no índice de cobertura de algumas vacinas oferecidas no Sistema Único de Saúde (SUS). Dentre outros tópicos, a reportagem afirma que a principal fonte de informações sobre supostos efeitos colaterais das vacinas são grupos de mães e pais nas redes sociais, especialmente o Facebook, onde as pessoas interessadas também encontram dicas de como não serem denunciadas pela decisão de não vacinarem seus filhos, bem como de terapias alternativas. Um outro destaque é a ênfase no fato de que a opção por negar a vacina tem não apenas consequências individuais, mas também causa problemas gravíssimos no que diz respeito à saúde pública, com o ressurgimento de doenças erradicadas e surtos como o de sarampo que se iniciou recentemente na Europa. O jornalista Carlos Orsi, ao comentar a reportagem do Estadão em seu blog, toca em um assunto sobre o qual já falamos por aqui, na coluna sobre a fosfoetanolamina: o uso de “personagens” em matérias de Saúde. Orsi destaca como o discurso de mães que optaram por não vacinar seus filhos soa mais simpático e próximo do que as declarações das autoridades sanitárias, favorecendo assim a empatia com essa posição tão perigosa, inclusive para todo o conjunto de pessoas que continuou vacinando seus filhos. Ele também fala sobre a relevância da informação de qualidade, tema do qual trataremos mais adiante, além de questionar a inclusão de terapias alternativas no SUS, polêmica em relação à qual sugiro a leitura lá na fonte original, por não ser nosso foco neste momento. Mas há um outro aspecto sobre o qual eu gostaria de refletir: a oferta de oportunidade de amplificação de argumentos anticientíficos – ou, no mínimo, contrários às evidências mais abundantes e, assim, ao conhecimento mais consolidado no momento – pelo espaço dado a atores sem a prerrogativa de falar a partir do ponto de vista da Ciência. Explico, repetindo em grande medida o que já argumentei no caso da fosfo. As mães talvez devam ser consideradas no que diz respeito à sua legitimidade para tomar decisões sobre a vida de seus filhos – ainda que uma série de ponderações precise ser feita também em relação a esse aspecto, como aquelas associadas ao direito da criança à saúde e às questões de saúde pública. Porém, nada as habilita a afirmar que a boa alimentação e/ou o tratamento homeopático substituem a vacinação e, pior, que a vacinação atrapalha a “imunização natural”. Pode-se confiar mais ou menos em cientistas e outros especialistas da área, ter mais identificação com determinadas linhas de investigação ou, até mesmo, investigadores; podemos, e devemos, nos informar e participar cada vez mais do debate público sobre Ciência e suas implicações em nossa vida cotidiana; mas me parece inquestionável que cabe aos cientistas e outros especialistas, aos praticantes dessa Ciência, serem os porta-vozes do conhecimento científico (com apoio de outros profissionais sempre que necessário, é claro). Assim, creio que cabe aqui uma última reflexão. Como já registrado, a reportagem do Estadão destaca como a principal fonte de (des)informação daqueles que aderem ao movimento antivacinação é a Internet. Ou seja, a informação pseudocientífica, as “verdades alternativas”, são abundantes, disponíveis e de leitura fácil. Frente a esta constatação, é necessário um momento de autocrítica, que cientistas, gestores públicos, educadores e divulgadores da Ciência se perguntem: será que as informações sobre, por exemplo, a segurança das diferentes vacinas, são tão fáceis de encontrar? Me parece que não e que, assim, temos uma imensa responsabilidade e mais um grande desafio pela frente. Ainda está longe de ser informação acessível à grande maioria das pessoas, mas a revista Science publicou, no final de abril, edição intitulada “As Guerras da Vacina” (Vaccine wars no original), com artigos que desmascaram os principais mitos e, também, reconhecem os poucos problemas causados por vacinação já identificados de fato. Um resumo mostra as origens dos principais mitos sobre efeitos colaterais das vacinas – e como eles foram derrubados –, sendo três deles relacionados à vacinação como causa de autismo e um à ideia de que espaçar o calendário de vacinação seria mais seguro para as crianças. Em Português, há o livro do infectologista Guido Levi – “Recusa de Vacinas – Causas e Consequências” –, disponível em pdf, que ainda não li, mas cuja abordagem parece bastante interessante. Boa leitura, e boa semana.