Eleições, relatório do IPCC e Nobel de Economia: o que eles têm a ver com o nosso futuro?

Em uma mesma segunda-feira, dia 8 de outubro, enquanto o Brasil tinha toda a atenção voltada aos resultados do primeiro turno das eleições, no resto do mundo as notícias destacavam a publicação do relatório especial do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) que indica a urgência de fortalecer a resposta global à ameaça das mudanças climáticas e o anúncio do Prêmio Nobel de Economia, que também colocou o tema em evidência.

Nenhuma das três notícias é fácil de compreender.

A divulgação do relatório do IPCC foi um caso exemplar de copo meio cheio ou meio vazio. Alguns textos destacaram os anos que nos restam para reduzir nossas emissões de carbono – caso da revista científica Nature –, enquanto outros afirmaram que o aquecimento já está acima da meta – caso do Valor Econômico. O site do IPCC tem vários materiais disponíveis, dentre eles o comunicado à Imprensa que pautou essas diferentes leituras. Nele, o recado mais importante parece ser que buscar limitar o aquecimento a 1,5oC tem benefícios claros na comparação com os 2oC previstos como limite no Acordo de Paris, mas, para tanto, são necessárias mudanças rápidas, abrangentes e sem precedentes em todos os aspectos da sociedade. O relatório, elaborado por 91 especialistas de 40 países, com referência a 6.000 trabalhos científicos, registra também que já estamos vendo as consequências de um aquecimento de 1oC, dentre as quais estão a intensidade de tempestades e furacões, as ondas de calor e frio extremos, secas e chuvas severas, incêndios devastadores.

Como destaca matéria publicada na Folha de S. Paulo antes mesmo dos cientistas chegarem a uma versão final do documento, a reunião que levou à aprovação do relatório, realizada em Seul, na Coreia do Sul, foi marcada pela busca de um equilíbrio entre o alerta sobre a urgência da situação e o cuidado para que um tom excessivamente alarmista não resultasse no sentimento de que não há mais nada a fazer, o que talvez tenha causado a diversidade de relatos feitos a partir dos mesmos dados. Outra reportagem, publicada no site Direto da Ciência, resume bem essa tensão entre a constatação – positiva – de que as metas previstas ainda são factíveis e a observação – preocupante – de que, para tanto, as emissões precisam ser reduzidas em ritmo e escala sem precedentes. Fato é que não temos mais tempo nenhum a perder.

Já no caso do Nobel de Economia, atribuído aos economistas William D. Nordhaus e Paul M. Romer, onde eu consegui ter um pouco mais de clareza sobre os trabalhos premiados foi no próprio site do Nobel. Lá, o que une os dois cientistas é a abordagem da questão de como alcançar um desenvolvimento sustentável, pela integração da inovação e do clima nos modelos de crescimento econômico. O trabalho de Romer me parece estar menos diretamente relacionado às mudanças climáticas, mas Nordhaus trabalhou especificamente as interações entre Natureza e sociedade, construindo, em meados da década de 1990, um modelo que é usado até hoje para avaliar como economia e clima coevoluem e, também, as consequências da adoção de políticas públicas como, por exemplo, impostos sobre as emissões de CO2.

Não entendo que seja coincidência que o Nobel tenha ido para Nordhaus e Romer no mesmo momento em que o IPCC anuncia a necessidade de fortalecimento dos compromissos com o combate às mudanças climáticas. O prêmio valoriza as evidências científicas que embasam esse alerta, em tempos de negação dessas evidências e de movimentos de afastamento de alguns países dos compromissos previamente assumidos, com destaque à disposição de Donald Trump em abandonar o Acordo de Paris. Mesmo que a gente tente, é impossível não voltar às eleições presidenciais brasileiras. Como registra o Observatório do Clima na conclusão da sua notícia sobre o relatório do IPCC, “As ações tomadas diante dos fatos dependem agora de o que vai ocorrer no plano político.”. Esta afirmação, no Brasil, tem uma conotação ainda mais urgente do que no resto do mundo, que está olhando para dezembro deste ano, quando acontece na Polônia a 24a Conferência do Clima (COP24). Mas, no Brasil, o ponto de virada está já no dia 28 de outubro, o domingo em que escolheremos entre um candidato que sinalizou a intenção de deixar o Acordo e outro cujo plano de governo traz vários pontos relacionados a uma política de transição para economia de baixo carbono, como destacou a jornalista Giovanna Girardi em análise no Estadão.

Internacionalmente, é grande a atenção a este momento de definição. Seguindo editorial publicado na Science no final do mês passado, a revista Nature também se pronunciou sobre possíveis impactos do resultado das eleições sobre a C&T e as políticas ambientais brasileiras, destacando as visões opostas dos candidatos Jair Bolsonaro e Fernando Haddad para essas áreas. O avanço de pecuária e indústria sobre a Amazônia é uma das preocupações, presente também para o britânico The Guardian, que elenca como propostas de Bolsonaro a construção de uma estrada cortando a região amazônica, o relaxamento de leis ambientais, o banimento de ONGs como Greenpeace e WWF, a aliança com a bancada ruralista, a abertura dos territórios indígenas à mineração, o fim dos ministérios da Ciência e Tecnologia e do Meio Ambiente e a já mencionada saída do Acordo de Paris, tema de outro artigo, publicado na revista NewScientist.

A NewScientist, inclusive, destaca o papel do Brasil – por ser um grande país em desenvolvimento e por sediar a Floresta Amazônica – no controle do aquecimento global, evidenciando que, além do mundo estar preocupado com o Brasil, nós também precisamos estar preocupados com o mundo, e com as futuras gerações, quando tomamos nossas decisões no momento presente.

Boas leituras, e até a semana que vem.

 

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