Mosaico de notícias da semana ilustra o perigo de ignorar as relações entre Ciência e Política

em uma das primeiras edições de Mídia & Ciência, no início deste ano, alertávamos para o perigo do discurso que prega o afastamento da Ciência da arena política. Sugeríamos – naquele momento em que se construía a primeira das várias Marchas pela Ciência que ainda viriam a acontecer – que talvez fosse essa pretensa “isenção científica” um dos motivos do distanciamento entre Ciência e público, tão deletério para ambos.

A negação da política não é exclusividade da comunidade científica – ou de parte dela. É esse fenômeno que, em grande medida (e, de certa forma, paradoxalmente), tem determinado o resultado do jogo político no Brasil e no mundo, como, por exemplo, nas eleições de Donald Trump e João Dória, e no debate sobre as eleições presidenciais de 2018.

Essa rejeição a tudo que pode ser associado à ideia de política – que é, na maior parte das vezes, confundida com os políticos – está vinculada à decepção com projetos de país (e, também, para a Humanidade) que não deram conta de cumprir suas promessas, bem como, é claro, à perda de confiança na classe política diante de seu comportamento inadequado, para dizer o mínimo. Porém, não podemos esquecer como a história nos mostra o perigo desse sentimento de que é possível viver sem política: foi na esteira dele que surgiram, no passado, movimentos totalitários como o nazismo alemão.

Se, no início do ano, falávamos dos riscos para a Ciência – que não é defendida pela população quando é mantida em castelos e torres de marfim –, hoje destaco os riscos para cada um e todos nós dessa ilusão de que é possível uma atuação humana que não seja política, com a prática científica sendo o suprassumo dessa neutralidade.

Exemplos desses riscos nunca faltariam, mas a última semana foi especialmente profícua.

No dia 20, a Universidade Federal da Bahia (UFBA) divulgou moção de repúdio às ameaças – inclusive de morte – sofridas por pesquisadores da Instituição dedicados aos estudos de gênero. No dia 22, a Folha de São Paulo e outros veículos noticiaram como o INEP tirou do ar artigo científico aprovado no processo tradicional de avaliação por pares, mas cujo teor contrariava a direção do instituto vinculado ao Ministério da Educação.

Estes dois primeiros casos são exemplos de como a má política (atenção ao adjetivo!) e o partidarismo interferem na liberdade científica. Mostram, assim, a importância de debates (políticos!) sobre essas relações entre Ciência e Política. Ignorar que elas existem, reforçar a imagem da Ciência neutra, distante das disputas e conflitos sociais, terá como resultado o efeito exatamente contrário, tornando a prática científica cada vez mais vulnerável aos rompantes autoritários e conservadores que, infelizmente, a cada dia se tornam mais a regra em nosso país.

A semana também foi marcada pela continuidade dos apelos à reconstituição do orçamento para a Ciência e Tecnologia brasileiras em 2018. Além disso, tivemos as análises dos resultados aquém do esperado da COP 23 (Conferência do Clima realizada em Bonn, na Alemanha), dentre as quais uma das mais incisivas foi a de Marcelo Leite, na Folha, que alerta: “Prepare-se para a mudança do clima, pois ela já se tornou incontornável”.

Estes, de outro lado, são exemplos dos riscos que corremos caso não participemos do debate político, que resulta em tomadas de decisão sobre o orçamento para o País, sobre as medidas de mitigação das mudanças climáticas, dentre tantos outros pontos centrais da vida atual relacionados ao conhecimento científico e tecnológico.

O diálogo entre Ciência e Política

Marcelo Leite termina sua coluna com um “Who cares?” – quem se importa? Qualquer um que se importe – com a Ciência, assim como com os direitos humanos e a vida digna de todas as pessoas e com a possibilidade de sobrevivência aqui na Terra – não pode se afastar da política, compreendida sobretudo como o espaço do diálogo e da negociação, tão necessários nestes tempos em que vivemos.

Nós precisamos da Ciência, do conhecimento científico, e a Ciência precisa de nós. Qual Ciência? Para qual vida? Em qual Brasil? A resposta a essas questões depende de processos de discussão e tomada de decisão que são inerentemente políticos e que exigem não que os diferentes sejam iguais, mas que reconheçam essas diferenças e, a partir delas, desejem e consigam conversar.

Para concluir, trago para cá dois outros textos que dialogam com esta nossa conversa de hoje. O Jornal da Ciência recuperou um artigo de agosto de André Ramos, docente da Universidade Federal de Santa Catarina, alertando para a falta de diálogo entre a Ciência e a sociedade e entre os próprios cientistas e as diferentes áreas do conhecimento. Paulo Roberto Martins e Paulo F. C. Fonseca, também pesquisadores, complementaram essa contribuição no último dia 21, alertando que a Ciência demanda apoio quando ainda não entregou todas as promessas que fez e que manter alheia a população impedirá a existência de uma cultura científica participativa, sem a qual, junto à negação da política, corremos o risco de, em breve, ver crescer a rejeição à própria Ciência!

Boas leituras, e uma boa semana.