Associação entre Tecnologia e Saúde está na moda, mas é preciso dosar riscos e benefícios

As chamadas tecnologias de informação e comunicação (TICs) já estão em todo lugar e em todos os momentos da nossa vida, mas parece que a moda mais recente é falar de como as telecomunicações, a inteligência artificial e a Internet das Coisas (IoT) vão revolucionar a área da Saúde. Mesmo quando há grande comoção e alguma frustração sobre promessas não cumpridas e, principalmente, em relação aos problemas advindos da nossa dependência tecnológica, toda essa preocupação ainda é bastante discreta quando se trata da associação entre Tecnologia e Saúde.

A semana trouxe um conjunto de matérias relacionadas ao tema na imprensa brasileira, em quantidade que chamou a minha atenção. A onda começou com o Estadão. No dia 22, uma reportagem falava do aumento de aplicativos que oferecem atendimento psicológico online e, três dias depois, o destaque foi para o conforto que pessoas com diabetes têm encontrado ao falar abertamente sobre a doença, especialmente nas redes sociais. No mesmo dia 25, O Globo trouxe entrevista com Rafael Grossmann, médico venezuelano que, em 2013, realizou a primeira cirurgia transmitida ao vivo usando Google Glass. Na véspera, a Folha de S. Paulo nos apresentou ao TelessaúdeRS, iniciativa de telemedicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em que um conjunto de profissionais qualificados presta consultoria a colegas por telefone, durante consultas na rede pública de atenção primária à Saúde. O projeto voltou ao jornal no dia 26 de junho, em editorial bastante simpático à ideia. O período teve notícia até de um algoritmo da Google capaz de prever a morte de um paciente com 95% de acurácia (esta em site estrangeiro)!

Comum a todos esses textos – além da temática – é o olhar positivo, quase ufanista, para a presença cada vez mais ubíqua de novas tecnologias na área da Saúde e, consequentemente, a pouca atenção dada a diferentes riscos associados. Na mídia de outros países o tema tem mais história – em uma busca rápida, encontrei debates intensos já em 2013 –, e, dentre outros materiais, destaco publicação no site da Forbes que elenca, entre esses riscos, o de substituição do contato direto com o profissional de Saúde por toneladas de dados quantitativos coletados e armazenados por máquinas que vêem com profundidade e precisão a doença (ou a ausência dela), mas não a pessoa e suas interações com outras pessoas e o ambiente onde vive.

De fato, no Estadão, por exemplo, lemos que as consultas online não devem ser empregadas quando há transtornos mentais graves e, no caso da diabetes, que páginas com dicas dadas por outros pacientes não substituem o acompanhamento médico, mas estas são observações que aparecem como nota de rodapé em um mar de louvores às vantagens de um cenário hiperconectado e ultramoderno para a área da Saúde. E há várias outras ponderações tão ou mais importantes que sequer são sugeridas. Uma delas é a ansiedade gerada pelo monitoramento constante de nossos sinais vitais e o contato direto com as informações geradas, sem a análise qualitativa do profissional da Saúde. Outra, mais importante ainda, é a necessidade de atenção a todos os interesses, especialmente os econômicos, envolvidos nessa escalada tecnológica, como alertam textos publicados no MIT Technology Review e no The New York Times. E há todos os riscos associados à segurança – ou insegurança – dos dados que poderiam, por exemplo, ser usados para o plano de saúde nos punir quando não fazemos exercício ou tomamos uma dose a mais de álcool, e assim aumentamos a chance de precisar dos serviços de Saúde!

É claro que pode haver muitos avanços com a incorporação de novas tecnologias à área da Saúde (como também podemos ver na Forbes). Mas não podemos, nunca, esquecer que a tecnologia não é neutra, naturalmente boa ou má: ela se torna aquilo que fazemos dela! É preciso, por exemplo, cuidar para que não se aprofundem ainda mais as imensas desigualdades no acesso aos serviços de Saúde e, além disso, para não confundir a solução com o problema. Mais do que equipamentos inovadores, talvez precisemos, por exemplo, de inovação organizacional no SUS e, nesse sentido, o TelessaúdeRS parece trazer contribuições importantes. Mas, como cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém, é fundamental buscarmos informações que nos levem além desse verniz de euforia com que o assunto vem chegando até nós!

Boas leituras, e uma ótima semana.

 

Mídia e Ciência também disponível em vídeo