Centésimo episódio de Mídia e Ciência encerra a temporada de 2019

Mídia e Ciência chega, hoje, ao seu episódio número 100. Em vídeo, porque a versão em texto começou algumas semanas antes, em março de 2017. Com este centésimo episódio, também encerramos a temporada 2019, fazendo um balanço desses dois anos e meio que, além de contar sobre mudanças e permanências no olhar de quem escreve a coluna, possivelmente também mostre algo sobre o diálogo entre Ciência e público no Brasil no passado recente.

Dois anos e meio é pouquíssimo tempo pensando na história da C&T brasileiras, mas, analisando os textos produzidos desde o lançamento de Mídia e Ciência, podemos recapitular os últimos passos dessa trajetória, em um cenário bem específico, muito difícil, mas, também, com algumas oportunidades.

Em abril de 2017, tivemos uma primeira coluna falando de problemas no financiamento da Ciência, intitulada “Tempos sombrios (também) para a Ciência brasileira”, sem que soubéssemos, então, o tamanho do buraco em que ainda nos enfiaríamos. Naquele momento, repercutindo fala de meu colega Reinaldo José Lopes, falei também pela primeira vez na necessidade de irmos além da máxima “recurso para a Ciência não é gasto, e sim investimento”, reinventando as formas de dialogar sobre o conhecimento científico com a sociedade. Desde então, multiplicaram-se as edições sobre ataques à Ciência, não apenas em termos orçamentários, mas também em relação à legitimidade do conhecimento especializado, um quadro que ainda não parou de se agravar. Mas, se a crise permaneceu igual – ou, pior, só se agravou –, temos, sem dúvida, avanços no esforço coletivo da comunidade científica e de divulgadores em se aproximar do público.

Também foi ainda em 2017 que falei pela primeira vez na crise de desinformação e, mais especificamente, em fake news e na relevância da educação para as mídias no contexto que se avizinhava, das eleições presidenciais do ano seguinte. Hoje sabemos o resultado e, diante dele, ganha espaço no País, felizmente, o discurso que defende a importância de falar de Comunicação na Educação, e aparecem as primeiras iniciativas.

Mas, tanto no que diz respeito ao diálogo entre Ciência e público, quanto em relação à educação para as mídias, venho defendendo e continuo preocupada que o momento agudo nos impeça de enxergar a complexidade das tarefas que temos diante de nós e, assim, nos leve a soluções não só ineficazes, mas possivelmente agravantes da crise no longo prazo. Falo, de um lado, do foco exacerbado nas aplicações do conhecimento científico, que pode cair no utilitarismo, dentre outros problemas. Destaco, também, que as notícias falsas são só a ponta de um iceberg, e que uma relação saudável e crítica com a mídia exige um discernimento muito mais sofisticado que aquele entre supostas verdade e mentira.

Há um ano, na retrospectiva de 2018, a conclusão foi que precisava falar mais das potenciais contribuições da Ciência à formulação, à implementação e à avaliação de políticas públicas. Que Mídia e Ciência poderia contribuir com a participação das evidências científicas disponíveis no debate público sobre diferentes temas. Embora me pareça ter avançado um pouco em 2019, entendo que o desafio permanece para 2020, e em duas frentes: de resistência aos movimentos de questionamento do conhecimento especializado que, infelizmente, continuam em trajetória ascendente no Brasil e no mundo, mas, também, de combate a um cientificismo que, além de não contribuir em nada para a superação da polarização que tanto nos agride, em algumas manifestações esconde sob o manto da suposta neutralidade científica os piores interesses.

Um outro desafio, reitero, está no extremo oposto da relação entre a aplicação da Ciência, sua relação com a sociedade, e aspectos internos ao processo de produção do conhecimento científico. Falo da abordagem da Ciência básica, de aspectos teóricos e epistemológicos, de conceitos, debates éticos, de métodos e, também, de questões relacionadas ao funcionamento da comunidade científica, para que não sucumbamos ao “encanto” da aplicação, à “mitologia dos resultados” e, assim, no afã de defender a Ciência, acabemos por deixá-la ainda mais vulnerável.

Parece, portanto, que há motivos para voltar no ano que vem! Espero reencontrá-los. Agradeço a quem acompanhou a coluna ao longo de 2019 e, também, a toda a equipe responsável pela sua produção. Agradeço a quem nos ajudou a divulgá-la e às pessoas que compartilharam conosco suas impressões, elogios, críticas e sugestões. Minha motivação é saber que existe alguém do outro lado e que, de alguma forma, estamos conversando.

Boas leituras, e até 2020!

Mídia e Ciência também disponível em podcast e vídeo