Debate foi foco de encontro internacional realizado em São Paulo, ignorado pela mídia

Nos primeiros três dias do mês de maio, o Brasil foi sede da oitava edição da reunião anual do Global Research Council (GRC), organização internacional que reúne os líderes de agências de fomento à pesquisa em mais de 50 países. O encontro aconteceu na cidade de São Paulo e o Diretor Científico da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), Carlos Henrique de Brito Cruz, inclusive foi eleito durante o evento para liderar o GRC no próximo período de um ano. Mesmo neste momento em que a Educação e a Ciência e Tecnologia brasileiras estão em evidência – infelizmente por estarem em risco –, a reunião foi praticamente ignorada pela mídia.

As agências de fomento, em grande medida, definem a direção das pesquisas em sua região de abrangência, ao apoiarem determinados projetos e deixarem de financiar outros. Quando agências de mais de 50 países, em todos os continentes, se reúnem, o impacto no desenvolvimento científico e tecnológico pode ser ainda maior, o que, por si só, já justificaria a compreensão do encontro em São Paulo como pauta a ser noticiada. No entanto, entre os grandes veículos de imprensa, encontrei menção à reunião apenas na Folha de S. Paulo, e restrita ao contexto da polêmica envolvendo as Ciências Sociais e Humanidades e o governo de Bolsonaro.

Não foram poucos os assuntos relevantes tratados na reunião e, se de fato desejamos que a população defenda a Ciência produzida nas universidades públicas nacionais, é fundamental que ela tenha a chance de conhecer e, mais do que isso, participar desses debates. Falou-se, por exemplo, da importância de promover a cooperação entre agências e instalações científicas na América Latina, bem como dos impactos da interação universidade-empresa. O papel do conhecimento no desenvolvimento sustentável e o fortalecimento dos movimentos de acesso aberto à produção científica também estiveram na pauta. O grupo de trabalho sobre Gênero do GRC apresentou resultado de estudo que avaliou 53 casos de promoção da participação das mulheres na Ciência, de 28 países, buscando subsidiar políticas futuras de promoção da equidade. Informações sobre estas e outras pautas podem ser conferidas no site da Agência Fapesp, inclusive em vídeos produzidos durante o evento com vários dos participantes.

No entanto, o principal foco da reunião esteve no debate sobre impactos sociais e econômicos da pesquisa, um tema sobre o qual não há consenso e cuja discussão exige a participação informada da sociedade, especialmente no contexto mencionado inicialmente, de ataque à universidade pública, à C&T e, particularmente, às Ciências Humanas e Sociais. De um lado, temos as expectativas e demandas – legítimas – de diferentes segmentos sociais em relação a esses impactos, aos resultados práticos de pesquisas realizadas com recursos públicos. De outro, temos a ameaça do pensamento utilitarista – e de sua apropriação para mascarar fins ideológicos, como destaquei na semana passada –, que exige a compreensão do papel da pesquisa básica na ampliação das fronteiras do conhecimento e, também, de que o risco é parte indispensável do processo de inovação.

Nesse sentido, na Declaração de Princípios publicada como resultado da sua reunião de 2019, o GRC registra que há diferentes impactos possíveis da atividade científica, e que eles devem ser considerados em suas especificidades. O impacto científico diz respeito ao avanço do conhecimento, o social ao desenvolvimento das sociedades e o econômico ao fomento à inovação. A Declaração reafirma, também, a importância do investimento em pesquisas que não pareçam ter impacto social imediato, considerando que “os desafios sociais mudam com o tempo, e manter uma base de conhecimento abrangente é condição para sermos capazes de responder adequadamente e oportunamente aos novos desafios que emergem”.

A Declaração também reconhece que o ecossistema de pesquisa dedica atenção limitada à avaliação e à demonstração de impactos a tomadores de decisão e à sociedade em geral. Em momentos de crise como o que vivemos, a atenção tradicionalmente se volta à comunicação entre cientistas e a sociedade. Porém, como já registrei em outras oportunidades, este é um esforço que só surtirá efeito se for perene, informado pela experiência e pelo conhecimento já acumulado sobre a prática e, principalmente, visar não só angariar apoio à Ciência, mas sobretudo um diálogo que permita a participação democrática no empreendimento científico.

Boas leituras, e até a próxima semana.

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