Notícias de ataques do governo de Bolsonaro às universidades e às ciências não podem ser vistas como absurdos isolados

No final do último mês de março, o contingenciamento de 42% de um já combalido orçamento para a Ciência e a Tecnologia no Brasil elevou ao nível máximo o estado de alerta da comunidade científica. Dias depois, já em abril, Jair Bolsonaro afirmou que as universidades públicas brasileiras não fazem pesquisa, o que foi pronta e precisamente desmentido em diferentes espaços (dentre os quais destaco, mais uma vez, a breve e ilustrativa contribuição de Reinaldo José Lopes). Mais para o fim do mês, o ataque foi direcionado às Ciências Humanas – e, particularmente, aos cursos de Filosofia e Sociologia – e, no último dia deste abril de 2019, veio a cereja do bolo: manchete de capa do Estadão anunciando que universidades que promoverem “balbúrdia” terão verbas cortadas e que já estavam nessa condição as universidades federais de Brasília (UnB), da Bahia (UFBA) e Fluminense (UFF). A definição de balbúrdia, é claro, fica a cargo de Bolsonaro e de seu novo Ministro da Educação, Abraham Weintraub.

Todos estes fatos – dentre outros semelhantes, infelizmente – foram noticiados pela mídia brasileira, e alguns também internacionalmente. No entanto, a fragmentação da cobertura midiática pode dificultar a compreensão de como eles estão interligados e, mais do que isso, iluminam uma das principais características do governo de Bolsonaro: a deslegitimação do conhecimento especializado. Vários veículos jornalísticos se esforçaram em trazer o contraponto – com a repercussão junto à comunidade acadêmica ou checando a fala do Presidente para evidenciar informações falsas ou imprecisas –, mas foram quase inexistentes análises mais abrangentes do cenário sobre o qual se desenrolam os diferentes capítulos deste verdadeiro show de horrores.

Especificamente após o ataque direcionado às áreas de Filosofia e Sociologia, foram várias as notas de repúdio às declarações do Presidente e de seu Ministro da Educação, com destaque às da Associação de Pós-Graduação em Filosofia (Anpof) – assinada por outras 27 associações – e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Quase todas essas falam na ignorância do governo de Jair Bolsonaro, no sentido de desconhecimento da produção e da importância das Ciências Humanas e, particularmente, da Filosofia e da Sociologia. Eu discordo que a questão seja de desconhecimento.

De fato, muito provavelmente o Presidente e os que o rodeiam desconhecem aspectos elencados na primeira parte da nota da SBPC, tais como o caráter científico das metodologias empregadas pelas Ciências Humanas e Sociais e sua importância para as políticas públicas, seja na produção de pesquisas que apoiam desde a formulação até a avaliação dessas políticas, seja na formação das pessoas que as concretizam. No entanto, conhecem bem o papel da Filosofia, da Sociologia e das demais Ciências Humanas e Sociais na reflexão sobre a sociedade e na formação de cidadãos bem informados e capazes de um envolvimento político fundado no raciocínio crítico. E é exatamente por isso que buscam enfraquecê-las.

Um dos comentários internacionais sobre a tragédia brasileira veio de Jason Stanley, professor de Filosofia na Universidade de Yale e autor do livro “Como funciona o fascismo: a política do ‘nós’ e ‘eles’”. No Twitter, Stanley associou as manifestações de Bolsonaro ao anti-intelectualismo, que, no livro, ele elenca como um dos 10 pilares das políticas fascistas em ascendência ao redor do mundo. Na sua obra, ele associa anti-intelectualismo e ataque à verdade; destaca, também, o anti-intelectualismo como tentativa de silenciar os estudos que evidenciam as desigualdades e atacar o lugar onde as tradições e práticas dominantes são criticadas: nas universidades.

Jason Stanley afirma que cabe aos gestores universitários proteger seus pesquisadores – especialmente os mais controversos, que desafiam o status quo. Aqui, no Brasil, a afirmação também causa preocupação, considerando episódios recentes na nomeação de novos reitores diferentes dos escolhidos pela comunidade universitária. Stanley, no entanto, também evidencia um outro aspecto: que é imprescindível identificarmos as políticas fascistas para que possamos resistir aos seus efeitos mais danosos e retornar aos ideais democráticos. Esta identificação e, a partir dela, a amplificação desse reconhecimento por meio de debates transparentes, francos e respeitosos, podem e devem ser tarefas de cada um de nós.

Boas leituras, e até a semana que vem.

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