Notícias de estudos espetaculares sobre o passado da Terra ajudam a entender o papel da Ciência e os riscos que corremos, no Brasil, de perdê-la

A Ciência, ao investigar o passado, busca compreendê-lo para, muitas vezes, prever o futuro e, mais do que isso, planejá-lo.

Uma história publicada no início de abril ilustra de forma particularmente encantadora essa busca. São os relatos sobre o estudo – publicado no dia 1o de abril na revista Proceedings of the National Academy of Sciences – de um sítio fóssil nos Estados Unidos que parece ser o retrato mais revelador já encontrado do dia em que um meteorito gigantesco atingiu a Terra, há 66 milhões de anos, e possivelmente causou a extinção dos dinossauros.

A descoberta de um sítio fóssil tão preservado já provoca espanto e emoção. Mas, para além disso, são encantadoras também as descrições que os cientistas conseguem fazer do dia em que um lago no estado americano da Dakota do Norte foi sacudido violentamente e soterrado muito rapidamente com tudo o que estava dentro dele, junto com organismos terrestres e marinhos carregados por milhares de quilômetros. Recomendo a leitura das várias reportagens publicadas – dentre elas a da Folha de S. Paulo, traduzida do The New York Times – com especial atenção às exposições de quais evidências associam o material encontrado no local ao impacto ocorrido há milhares de quilômetros e milhões de anos atrás. É uma aula sobre como funciona a Ciência.

Outros aspectos da prática científica são evidenciados, como a importância do trabalho coletivo, da dúvida e, por que não, a discórdia e o conflito: a associação direta entre o impacto do meteorito e a extinção dos dinossauros não é um consenso, e nas reportagens alguns paleontologistas que não participaram da pesquisa questionam as conclusões do artigo. Questionam, inclusive, o fato do pesquisador chefe – Robert DePalma, um pós-graduando de 37 anos – ter compartilhado muito mais detalhes da descoberta em uma matéria na The New Yorker do que no artigo científico já publicado.

Mas o que este passado revelado tem a ver com o futuro? A reportagem na Folha é bastante esclarecedora ao registrar que estamos falando da “gigantesca rocha que abriu caminho para a evolução dos mamíferos, entre os quais os primatas conhecidos como seres humanos”.

Por aqui, no Brasil, também tivemos, recentemente, a nossa dose de vislumbres do passado próximos do espetacular. O estudo da vértebra fossilizada de um titanossauro habitante do interior paulista há 85 milhões de anos revelou um dinossauro manco por causa de uma infecção. Embora possa parecer divertida, a conclusão do estudo não só ajuda a compreender as doenças que acometeram essas populações extintas há milhões de anos, mas, segundo a reportagem publicada no Estadão, pode inclusive colaborar com a compreensão de doenças que atingem os humanos atualmente, a partir da continuidade das pesquisas.

No entanto, para que a Ciência possa olhar para o passado, com vistas ao futuro, é preciso que exista um presente. E, no Brasil, além da negação do passado, estamos bem próximos de não ter mais um presente para a nossa comunidade científica que permita não só o seu futuro, mas também o do desenvolvimento do País. Infelizmente, foi este o motivo de sermos destaque, em um mesmo dia, nas duas maiores revistas científicas do mundo, Nature e Science. As publicações registram a angústia da comunidade científica brasileira com o congelamento de 42% de um orçamento que já estava em um terço do valor que tinha há cinco anos e deixam claro: não é bravata dizer que levaremos décadas para reconstruir o que está sendo despedaçado neste momento.

Boas leituras, e até a próxima semana.

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