Mobilização pelo clima inspirada por jovem sueca permite refletir sobre vínculos entre emoção e razão

Até outro dia, eu não conhecia Greta Thunberg. A sueca, de apenas 16 anos, inspirou mais de um milhão de jovens que, no dia 15 de março, foram às ruas em cerca de 120 países para exigir ações rápidas e abrangentes de combate às mudanças climáticas. Assim, o desconhecimento é, em parte, falha minha. No entanto, a fama de Greta cresceu exponencialmente nas últimas semanas, até culminar no recorde da mais recente “sexta-feira pelo futuro” – nome dado ao movimento, já considerado a maior mobilização mundial pelo clima – e na indicação da jovem ao Prêmio Nobel da Paz.

Há sete meses, Greta Thunberg decidiu faltar às aulas para, sentada à frente do parlamento sueco com um cartaz, exigir a redução das emissões de carbono no País. Desde então, vem fazendo a mesma coisa todas as sextas-feiras e, além disso, agindo nas redes sociais e, mais recentemente, em fóruns presenciais, como na Conferência do Clima (COP24) realizada em dezembro do ano passado na Polônia. Greta é especial, uma liderança, e o ato de sentar-se em frente a um parlamento nacional, em sua condição de criança, dificilmente pode ser classificado como trivial. No entanto, sem a atenção midiática que recebeu – possivelmente potencializada por grupos e veículos ativistas –, Greta não teria se tornado a inspiração para os milhões de jovens que tomaram as ruas no dia 15, inclusive no Brasil (ainda que timidamente por aqui).

Como questiona Marcelo Leite em coluna sobre o assunto na Folha de S. Paulo, talvez seja imprescindível Greta ganhar o Nobel para que os adultos comecem a enxergar um pouco além do seu nariz. O jornalista também registra que a Ciência tem muito a dizer, já disse e continuará falando sobre o aquecimento global e suas consequências, “mas os adultos não querem ver nem ouvir”. E é sobre este ponto que eu convido à reflexão.

O debate sobre como falar sobre risco e despertar o interesse público para algumas questões, particularmente as mudanças climáticas, tem se tornado cada vez mais presente entre grupos engajados na comunicação pública da Ciência. Cada vez mais, questiona-se o impacto dos “fatos”, advogando-se a necessidade de provocar emoções, falar “ao coração” do público, partindo daquilo que é próximo e afeta diretamente a vida de cada pessoa. Nesse contexto, um primeiro questionamento que aflora em mim, especialmente depois do contato com as notícias sobre a manifestação no Brasil, é em que medida esses jovens se mobilizaram porque Greta os ajudou a compreender que o seu futuro está em jogo. Temo, às vezes, que muitos queiram SER Greta porque querem a visibilidade, a fama, que Greta ganhou. Além disso, me preocupa a ideia de que lidar com a emoção seja suficiente, no sentido de abrirmos mão da possibilidade de um diálogo racional com o conhecimento.

Na última semana, além de Greta e o clima, outro tema que ganhou a atenção pública foi a possível associação entre o consumo de ovos e um aumento no risco de doenças cardiovasculares. O ovo é um exemplo clássico de confusão e desconforto causados por notícias de Ciência que uma hora dizem que algo faz mal, para pouco tempo depois alardearem a mesma coisa como grande aliada de uma vida saudável, e assim sucessivamente. Rapidamente após a publicação do estudo sobre o ovo, no JAMA (Journal of the American Medical Association), surgiram vários textos críticos, apontando principalmente as limitações metodológicas da pesquisa e reforçando, mais uma vez, a importância de manter uma alimentação equilibrada, sem 20 ovos por dia, mas também sem sair correndo quando a galinha cacareja.

Notícias sobre alimentação e saúde naturalmente despertam interesse e, assim, podem ser uma porta de entrada promissora para o contato com o conhecimento científico. As mudanças climáticas, antes tarde do que nunca, também começam a entrar no rol de temas que chamam a atenção. No entanto, este é só um primeiro passo, necessário, mas não suficiente. A emoção – e a inspiração – certamente são grandes aliadas, mas é preciso manter o interesse e o engajamento e, para isso, é fundamental a possibilidade de acesso ao conhecimento associado à questão que emocionou.

Seja para aprimorar nossa dieta ou lutar pela mitigação das mudanças climáticas, é preciso ter as ferramentas para ir além da superfície. Caso contrário, podemos até nos engajar por um segundo, um dia, talvez um mês, para esquecer e só voltar a lembrar no próximo acontecimento midiático, sem promover ou passar por nenhuma transformação real e, assim, sem cuidar de nós e da nossa casa, seja ela nosso corpo ou o mundo.

Boas leituras, e até a semana que vem!

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