Notícias sobre novo tratamento para crianças com alergia ao amendoim ajudam a pensar sobre qualidade da informação e, também, da relação com a mídia

Uma aqui, outra ali, a primeira em Inglês, várias depois na mídia brasileira: ao longo de alguns dias, foram pipocando nas minhas telas e redes manchetes sobre um novo tratamento de crianças com alergia severa a amendoim, e a recorrência acabou por chamar a minha atenção. Intrigou-me o fato de tantos sites brasileiros e alguns jornais destacarem a pesquisa: o resultado, embora relevante, não é exatamente uma novidade, como veremos; e, além disso, eu desconhecia completamente a importância da alergia ao amendoim!

Como esse meu estranhamento podia ter relação com o fato de não conviver diariamente com uma criança alérgica, consultei minha irmã, já que meu sobrinho tem problemas com o amendoim, ainda que leves. Ela, como eu, também não se sensibilizou, até sabermos que, no Reino Unido, estima-se que 1 em cada 10 crianças tenha alergia ao amendoim, e, nos Estados Unidos, existam mais de 1 milhão de crianças alérgicas. E aí chegamos ao principal problema que identifiquei nos textos publicados no Brasil, todos traduções de mídias estrangeiras: a falta de contexto ou, em outros termos, o destaque à solução de um problema que sequer sabíamos existir.

Exceto na Folha de S. Paulo, que traduz texto mais completo do The New York Times, não tivemos nos textos em Português publicados no R7, BBC, O Globo e outros, menção a essas estatísticas. Muitos desses textos, aliás, foram traduzidos das mesmas fontes, têm os mesmos depoimentos de pacientes, as explicações dos mesmos especialistas e, também, a mesma incompletude e os mesmos erros. Além disso, não se dão ao trabalho de situar o problema no Brasil – aqui, incluindo a Folha –, e tratam da realidade do Reino Unido e dos Estados Unidos como se ela fosse uma velha conhecida nossa. Afinal, quem nunca ouviu falar do Evelina Children’s Hospital, não é mesmo?

Na Folha, ficamos sabendo da morte de uma adolescente na Inglaterra em outubro, por consumir proteína do amendoim em um restaurante mesmo tendo avisado sobre sua alergia. Aí fica mais justificado o interesse no assunto naquele país. Também temos algumas pistas do contexto em que a pesquisa se insere, de resultados anteriores que nos trouxeram até aqui e da discussão mais importante por trás do anúncio: sobre a participação da indústria farmacêutica na descoberta e os custos envolvidos na sua chegada às famílias interessadas. Mas foi só em notícias publicadas nos países em que a pesquisa foi realizada – no The Guardian, inglês, e na Bloomberg, dos EUA – que eu tive uma visão mais ampla do significado e das implicações da pesquisa divulgada agora.

Em um breve resumo, o que se obteve não foi a evidência de que a exposição controlada ao amendoim pode aumentar a tolerância das crianças alérgicas à substância, evitando acidentes causados, por exemplo, por rótulos omissos de alimentos processados em instalações onde há a presença do amendoim. Esta já havia aparecido em pesquisas mais antigas. Agora, o que se conseguiu foi produzir e demonstrar a segurança e a eficácia de uma forma controlada de administrar o amendoim em pequenas doses, em cápsulas que podem ser submetidas à apreciação dos órgãos reguladores e, aprovadas, resultar em um mercado estimado em, no mínimo, 1 bilhão de dólares por ano, ou até 5 bilhões, dependendo da notícia! Para farinha de amendoim, que, relativamente, não custa quase nada (ou, como se diz em Inglês, peanuts!).

O problema é sério e a solução é importante, mas é necessária muito mais informação do que a encontrada na mídia brasileira para chegarmos a essa conclusão e, também, compreendermos outros aspectos envolvidos, inclusive efeitos colaterais associados ao tratamento. Temos aqui um jornalismo de má qualidade – associado, dentre outras coisas, à escassez cada vez maior de profissionais especializados nas principais redações brasileiras –, mas o caso também nos mostra, mais uma vez, como o combate à desinformação não se esgota na promoção da mídia de qualidade e nos esforços de checagem. São necessárias fontes de informação alternativas, diversificadas, mais ou menos aprofundadas, e, também, leitores, espectadores e internautas educados para localizar e consultar essas fontes e, a partir delas, construir a sua visão mais crítica da realidade.

É esta leitura que desejo a vocês, junto com a tradicional expectativa de que possam ter uma ótima semana!

Mídia e Ciência também disponível em vídeo