Às vésperas das eleições, uma reflexão sobre a presença de C&T nos debates públicos e o futuro do Brasil

Em 28 de setembro, a Ciência brasileira foi destaque em dois textos na revista Science, uma das principais publicações científicas mundiais. Infelizmente, no entanto, não foram conquistas da comunidade científica nacional que ganharam as páginas da Science desta vez, mas sim a situação dramática do orçamento destinado à C&T na atual realidade brasileira.

Um dos textos, intitulado “Lack of science support fails Brazil” (falta de apoio à Ciência frustra o Brasil), é assinado por 21 pesquisadores, a maior parte vinculada ao Museu Nacional, incluindo seu Diretor, Alexander Kellner. Aqui, o foco é o incêndio no Museu, caracterizado como metáfora para a situação atual da Ciência no Brasil. Essa situação está no centro do segundo texto publicado, um editorial assinado por Beatriz Barbuy, astrofísica da Universidade de São Paulo que já dirigiu a União Astronômica Internacional (como sua Vice-Presidente). Barbuy registra a queda no orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e, desde 2016, também Comunicações – 40% inferior ao valor de 2010 –, exemplifica os impactos com cortes nas pesquisas astronômicas e conclui: as eleições, no próximo domingo, são uma oportunidade para priorizar e restabelecer o compromisso com a Ciência brasileira e, assim, resgatar o Brasil de um declínio econômico ainda maior.

Na mídia brasileira, não há outro assunto além das eleições. Mas e a Ciência, como aparece neste debate? Sem um estudo sistemático, a minha impressão é que a área esteve mais presente na cobertura destas eleições que em ocasiões anteriores, justamente devido à crise – amplificada pela tragédia no Museu Nacional. Já há alguns meses, no lançamento das candidaturas, pipocaram notícias sobre o que foi apelidado de “bancada científica” – pesquisadores que, contrariando uma tendência histórica, decidiram concorrer a cargos legislativos para defender maiores investimentos em Ciência. O orçamento para a Ciência foi o mote de outras notícias sobre as eleições, que buscaram, por exemplo, identificar os planos dos diferentes candidatos para a obtenção dos recursos necessários. Faltou, na minha opinião, um debate sobre a política científica e tecnológica que aborde outros temas além do financiamento, que coloque a questão de qual Ciência queremos, para qual País.

O lugar onde é possível encontrar ao menos pistas para essa reflexão é o programa de governo dos candidatos, que foi alvo de algumas boas análises em publicações dedicadas à Ciência e à Tecnologia, como os sites Canaltech, que escrutinou os programas de todos os candidatos à Presidência, incluindo os chamados “nanicos”, e Direto da Ciência, que também avalia os programas de alguns candidatos, e a revista Galileu, que traz as respostas de nove candidatos a perguntas sobre Ciência e Tecnologia. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) também fez sua análise e, em um Observatório das Eleições, traz outros materiais importantes, como debates com os presidenciáveis e propostas de políticas e ações com as quais candidatos ao Executivo e a ao Legislativo podem se comprometer publicamente.

Nos levantamentos publicados na mídia, além da questão dos recursos e de temas mais óbvios, como a emenda do teto dos gastos – defendida por alguns e criticada por muitos – e a recuperação do MCTI, aparecem alguns outros pontos específicos, como o fomento à inovação e à interação universidade-empresa e a necessidade de desburocratização de processos como os de importação de equipamentos e insumos científicos e de registro da propriedade intelectual. Mas, mais importante que isso, são a afirmação da produção científica como central para o desenvolvimento do País em diferentes dimensões e o estabelecimento de relações entre C&T e outras áreas cruciais da arena pública, como Educação, Saúde, Agropecuária, Democracia e Transparência, Energia, Defesa e Emprego, dentre outras.

Embora esses pontos emerjam da análise dos programas, ainda é pouco. Ciência e Tecnologia estarão fortalecidas quando forem parte não só da vida de todas as pessoas, mas das suas preocupações cotidianas, das conversas mais concentradas às mais informais, e, assim, também das edições diárias dos jornais, em todas as editorias, e não só na de Ciência e Tecnologia – e, em alguns casos, nem isso. A escolha que faremos domingo definirá se é por essa cultura científica que continuaremos trabalhando, ou se todos os nossos esforços precisarão ir para a luta em defesa dos nossos direitos mais básicos, dentre eles, o próprio direito de escolher.

Que votemos conscientes.

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