Estudos sobre efeitos das redes sociais são indispensáveis no combate à desinformação

Já registrei algumas vezes aqui em Mídia e Ciência minha impressão de um frisson um pouco exagerado em torno de “fake news” e afins na mídia como um todo e, particularmente, na imprensa brasileira, o que só cresce com a proximidade das eleições. Durante o mês de agosto, para qualificar um pouco essa impressão, anotei sistematicamente e categorizei as notícias publicadas sobre “fake news”, redes sociais e outros assuntos relacionados nos quatro jornais que acompanho diariamente: Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, O Globo e Valor Econômico. Foram 76 as ocorrências registradas (até o dia 28, em que escrevo esta edição da coluna).

Dentre os temas abordados, o mais frequente (com folga) foram os usos das redes sociais por partidos e candidatos nas eleições brasileiras. O Facebook e suas tentativas atrapalhadas de parecer mais responsável por aquilo que dissemina – e, também, pelas informações que deveria guardar com mais segurança – veio logo em seguida, acompanhado de episódios de retirada de postagens, páginas e perfis do ar, no próprio Facebook e no Twitter. A mídia convencional também esteve no foco, com reflexões sobre como o jornalismo pode se reinventar e fortalecer como fonte confiável de informações.

Duas notícias, publicadas nos últimos dias, me chamaram especialmente a atenção, por relatarem pesquisas científicas sobre o tema. O The New York Times apresentou, no dia 23, estudo com evidências de que as mesmas fontes russas que interferiram nas eleições dos Estados Unidos em 2016 atacaram o País com informações relacionadas à polêmica da vacinação. O curioso é que os tweets direcionados à população dos EUA traziam tanto mensagens identificadas com o movimento anti-vacina como informações em defesa da vacinação, com o único objetivo, concluem os pesquisadores, de semear a discórdia. E, ao que tudo indica, as redes sociais têm sido muito bem sucedidas nisso: um outro estudo, também noticiado no NYT (e traduzido na Folha), encontrou evidências de relação entre o uso acima da média do Facebook e escaladas de violência contra refugiados na Alemanha. As causas, sugerem os autores, estão vinculadas aos algoritmos que amplificam determinadas mensagens em detrimento de outras e nos direcionam a grupos que pensam como nós, bem como à tendência humana a reagir mais veementemente a mensagens com alta carga emocional.

As pesquisas vão nos ajudando a entender como as redes sociais estão alterando a sociedade, moldando mundos paralelos e, assim, transformando a própria ideia de realidade. Compreender esses processos é indispensável ao planejamento de estratégias de combate aos seus efeitos deletérios – bem como de aproveitamento máximo de possíveis aspectos positivos –, e para isso são fundamentais os estudos empíricos que nos ajudem a ir além do desfile de opiniões que é mais comum na abordagem desse assunto. Este não é, no entanto, um esforço trivial, e precisa envolver diferentes áreas do conhecimento, como ilustram as pesquisas noticiadas, que envolveram economistas, psicólogos, cientistas sociais e profissionais da Saúde, dentre outros. Além disso, não acontece de um dia para o outro, já que estamos lidando com fenômenos relativamente novos, e precisamos de algum tempo tanto para amadurecer o nosso olhar para eles, quanto para acumular um corpo de conhecimento que seja significativo. Mas começamos, e esta já é uma boa notícia!

Em um texto publicado também recentemente no Valor, o jornalista e professor Carlos Eduardo Lins da Silva também comenta os estudos nessa área e, além de fazer um diagnóstico muito interessante do problema, propõe algumas linhas para a busca de soluções, que envolvem justamente essa construção de conhecimento; a regulação das mídias; a revitalização de instituições como o próprio jornalismo, as escolas e universidades, governos e partidos políticos, dentre outras; e a educação para uma relação crítica com as mídias. Eu recomendo.

Boa leitura, e até a próxima semana.

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