Tomadas de decisão exigem informação de qualidade e habilidades relacionadas a risco e incerteza

Ao longo dos últimos dias, lendo os jornais, eu descobri que, se eu tiver uma parada cardíaca fora do hospital, talvez uma injeção de adrenalina não seja a melhor solução; se eu tomar 14 doses de bebidas alcoólicas semanalmente, posso diminuir o risco de desenvolver Alzheimer mas, se minha preocupação maior for diabetes, a recomendação baixa para 9 doses, com regularidade; que, quando eu chegar na menopausa, posso ter insônia, mas a ioga e a meditação já pratico devem me ajudar a dormir melhor; e que meu hábito sagrado de tomar uma cápsula de vitamina D nas manhãs de sábado talvez seja só o resultado de uma campanha de marketing bem sucedida.

Diariamente, recebemos – e, com frequência, buscamos ativamente – informações sobre os mais recentes avanços relacionados a inúmeros aspectos da nossa saúde. Dentre essas notícias, uma grande parte diz respeito à nossa alimentação. Recentemente, uma delas ganhou destaque especial na mídia brasileira: a associação entre dietas com baixo consumo de carboidratos e alguns anos a menos em nossa expectativa de vida, sugerida por um estudo publicado em 16 de agosto na revista médica The Lancet.

O estudo buscou, junto a uma população de 15.428 pessoas em quatro regiões dos Estados Unidos, se havia alguma relação entre o consumo de carboidratos e a mortalidade, e encontrou evidências de que tanto as pessoas com baixo consumo (menos de 40% do total de calorias diárias) quanto aquelas que comiam carboidrato demais (mais de 70% do total) tinham a expectativa de vida mais baixa que a das pessoas com uma dieta equilibrada, com cerca de 50% a 55% do total de calorias vindas dos carboidratos. Outra evidência foi que a substituição do carboidrato por proteína animal aumenta o risco, enquanto uma dieta com mais vegetais tem o efeito contrário. A metodologia utilizada é complexa, e a estatística envolvida também, o que só pude compreender lendo o artigo original, pois as matérias publicadas no Brasil foram, em geral, bastante incompletas e, em muitos casos, sensacionalistas. O jornal O Globo, por exemplo, estampou (em sua versão impressa) o título DIETA DE RISCO – assim mesmo, com tudo em maiúsculas –, encimado pela vinheta “Perigos do Low Carb”.

Em um site inglês dedicado ao jornalismo sobre Ciência, a reação de especialistas à publicação do estudo foi a de lembrar que ele corrobora um conjunto “esmagador” de evidências científicas – e, também, as diretrizes nutricionais de vários países – indicando que, em vez de dietas milagrosas, o que precisamos mesmo é de dietas mais equilibradas. Ou seja, o estudo, apesar de robusto, correto e importante, não traz grandes novidades, estando inserido em um conjunto de outros esforços dedicados à construção de conhecimento sobre as consequências no nosso corpo daquilo que comemos. Mas, no jornalismo brasileiro sobre Ciência e/ou Saúde, o mais comum é que estudos sejam divulgados isoladamente, com destaque aos seus aspectos mais “bombásticos” e com pouca ou nenhuma menção às suas limitações e às incertezas necessariamente presentes tanto na prática científica quanto no cotidiano da Medicina e outras áreas da Saúde.

Em tempos de profusão de informações disponíveis (excesso, muitas vezes) e, também, em que a chamada “tomada de decisão compartilhada” entre profissionais da Saúde e pacientes ganha força como diretriz para o cuidado, como ampliar as possibilidades de que possamos fazer escolhas realmente bem informadas? Um primeiro ponto é a qualidade da informação, sobre a qual já falamos inúmeras outras vezes por aqui. Uma população com formação sólida em ciências – tarefa da escola – e acesso a oportunidades de contato com o conhecimento científico ao longo da vida – tarefa do jornalismo e de diferentes atividades de divulgação científica – também é meta a se perseguir.

Um texto no site BBC Future, por sua vez, nos alerta para uma outra necessidade: o desenvolvimento de habilidades para a tomada de decisões relacionadas ao que é chamado de “risk and statistical literacy”, algo como letramento em Estatística e para análise do risco. O texto argumenta que algumas habilidades básicas, relacionadas a como lidamos com o risco e a incerteza, podem aumentar muito nossa capacidade de questionar nosso próprio raciocínio e os julgamentos que fazemos, nos tornando mais reflexivos sobre as informações que consumimos e levando a uma visão de mundo mais racional e informada. O que, por sua vez, pode nos guiar no oceano diário de novidades, muitas vezes contraditórias, que lemos, ouvimos e vemos sobre como emagrecer, ter mais saúde, curar nossos males e viver mais e melhor. E nos ajudar a decidir se comemos, ou não, o pãozinho, se pedimos mais uma cerveja e nos matriculamos na ioga.

Boas leituras, e uma ótima semana!

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