Glitter vira vilão do Carnaval, ofuscando concorrentes

Acabou o Carnaval, mas muita gente ainda deve estar fazendo esforço para se livrar do glitter: na pele, na roupa, pela casa… e nos oceanos. Este foi o ano em que o glitter, de pedacinho minúsculo de cor e luz que, por quatro dias, empresta à vida a sua leveza, se transformou em vilão e encheu de culpa a folia. Para mim, foi o primeiro Carnaval em que senti a mágica que uma boa camada de glitter pode operar, mas em que também fui alvo da pergunta que, quase inevitavelmente, acompanhou um rosto ou um corpo brilhantes em 2018: é biodegradável?

O debate sobre os impactos ambientais do glitter vem de outros Carnavais, mas minha impressão é que a discussão se intensificou bastante. Uma das hipóteses é que essa escalada tenha relação com o fato de uma rede britânica de creches ter banido o glitter de suas atividades artísticas em novembro do ano passado. O fato transformou o brilho festivo em pauta no hemisfério Norte, especialmente com a proximidade da temporada natalina, quando, em climas mais frios, temos o auge do seu uso. Aqui, a onda chegou depois, na nossa temporada de glitter e purpurina.

Essa hipótese ganha força quando lemos o que diz Trisia Farrelly, pesquisadora da Massey University, da Nova Zelândia, em notícia no site da Universidade. Farrelly foi uma das principais fontes procuradas depois do episódio das creches, e diz que ficou surpresa pelo súbito interesse global em glitter. A especialista atribui a sua própria fama repentina ao fato de, meses antes, ter publicado artigo reivindicando a proibição mundial do uso do glitter. E alerta: glitter, e purpurina, representam uma parte relativamente pequena do problema mais amplo dos microplásticos.

Esta é, para mim, a principal questão neste debate. A forma como o tema foi abordado no site Hypeness ilustra bem minha preocupação. Lemos, em um dos parágrafos: “O fato é que devemos reduzir todo o consumo de plástico, seja nas festas ou no dia a dia. Mas fica a questão: como reluzir lindamente no Carnaval sem purpurina convencional? Muita calma, foliões! A solução já existe – e funciona perfeitamente!”. Na minha leitura, o texto diz: tá certo, o mundo tem um problema, mas grave mesmo é o fato de que eu preciso brilhar no Carnaval; ufa, temos a solução, existe o glitter biodegradável e eu não preciso me preocupar com mais nada!

Muito além do glitter

Tudo o que é biodegradável só sofre degradação sob determinadas condições, de temperatura, por exemplo. Além disso, o glitter biodegradável, mais caro, nunca suprirá a demanda atual, como vemos em uma matéria da BBC. Ou seja, o que precisamos mesmo é reduzir o uso, e não só de glitter, mas também de cosméticos contendo microesferas de plástico – como muitos esfoliantes e pastas de dente – e, sobretudo, de qualquer tipo de plástico, já que, por degradação mecânica, nossas garrafas PET, por exemplo, também viram partículas microscópicas de plástico que contaminam os oceanos.

Quase todas as matérias que eu vi terminam com uma lista de opções de glitter biodegradável, alguns inclusive veganos e declaradamente “sem organismos geneticamente modificados”, além de histórias bonitinhas sobre as marcas e pessoas por trás desses produtos. Ou seja: propõem, como solução para problemas causados pelo consumo excessivo, mais consumo, ainda que “consciente”. Além disso, também precisamos refletir sobre a transferência para o indíviduo, para cada uma das pessoas (consumidores), de responsabilidades que deveriam ser também, e sobretudo, de produtores e do poder público. Em toda essa polêmica, por exemplo, uma única matéria (da National Geographic), mencionou o PL 6528/2016, parado no Congresso Nacional, que proíbe produtos com microesferas de plástico, medida já adotada em vários outros países.

Por tudo isso, a mensagem é que você deve sim evitar ou reduzir o uso do glitter, mas precisa evitar também que ele obscureça outros riscos ainda maiores e, principalmente, não pode ficar confortável com uma pequena mudança, quando transformações muito maiores são urgentes. Se quiser saber mais, a dica de hoje é o site da campanha Beat the Microbead – “Derrote a Microesfera” –, uma iniciativa do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente em parceria com quase 100 instituições em 38 países, incluindo o Brasil.

Boas leituras, e uma ótima semana!

 

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