Com a proximidade do fim do ano, retrospectivas permitem realizar “ previsões científicas ” para 2018

Dezembro chegou e, com ele, a temporada de retrospectivas e de previsões para 2018. Ainda pretendo fazer um balanço de Mídia e Ciência por aqui, mas a Science começou cedo e já lançou campanha para escolha da descoberta científica do ano. Dentre os 12 finalistas, três são resultados relacionados a terapias genéticas, número que ilustra bem tanto o que passou (a busca pela cura de diferentes doenças nos genes e na possibilidade de manipulá-los), quanto o que ainda podemos esperar do futuro (se tudo der certo, muitas novidades na área, já que, apesar do frisson, as aplicações amplamente disponíveis ainda são só uma promessa no horizonte).

Ao menos uma dessas terapias selecionadas pela Science tem como alvo o câncer, o que pode ser considerado bem pouco se olharmos para um outro texto publicado recentemente, agora na Nature. O texto, delicioso, mostra quais são as “celebridades” entre os genes, ou seja, os genes mais estudados em diferentes momentos históricos. Entre os Top 10, ao menos cinco estão diretamente relacionados a possíveis tratamentos para diferentes tipos de câncer. O líder (TP53, um supressor de tumores) tem cerca de 8.500 artigos científicos dedicados a ele, uma média de quase dois por dia, com o segundo colocado (TNF, inicialmente um alvo de drogas contra o câncer, hoje mais vinculado ao Alzheimer) atingindo “apenas” a marca de 5.314 papers.

Previsões científicas: escolha de quais genes estudar não acontece por acaso

Mas, tão importante quanto a informação sobre os genes mais estudados é a constatação de que, dos mais ou menos 20 mil genes do genoma humano responsáveis pela expressão de proteínas, apenas uma centena responde por mais de um quarto dos artigos incluídos no levantamento noticiado pela Nature. Como opina mais de um especialista na matéria, isto é um problema, já que resulta em falhas importantes no conhecimento que temos sobre a saúde e a doença humanas. E, ainda de acordo com o texto da Nature, as escolhas de quais genes estudar não acontecem por acaso, mas sim devido a uma combinação de fatores técnicos, sociais e econômicos, relacionados, a uma confluência entre biologia, pressão social, oportunidade de negócios e necessidade médica.

Em uma perspectiva histórica, vemos que, inicialmente, o gene mais estudado estava relacionado ao transporte de hemoglobina e à anemia falciforme, que foi uma das primeiras doenças estudadas no nível molecular. Depois, novas tecnologias de sequenciamento e manipulação do DNA nos levaram, no final dos anos 1980, àquela que, naquele momento, ainda era uma síndrome misteriosa: a AIDS.

Desde os anos 2000, cresce a atenção a genes e proteínas ligados ao metabolismo do colesterol e ao Alzheimer, mas o campeão absoluto é mesmo o câncer. Nesse percurso, algumas características dizem muito sobre o empreendimento científico. Primeiro, que ele é coletivo. Além disso, que está intimamente relacionado às tecnologias disponíveis em cada momento histórico, que fazem, por exemplo, que alguns genes sejam mais facilmente estudados do que outros. E, por fim – e não coincidentemente retomando nossa discussão da semana passada –, que a Ciência não se desenrola desconectada de todas as demais aventuras humanas.

A semana teve outras notícias – boas e más – sobre terapia genética e sobre o tratamento do câncer. O The New York Times publicou texto esclarecedor sobre os desafios para o acesso a algumas terapias genéticas, dentre eles um muito curioso: a oferta muito menor que a demanda de vírus modificados que são usados para transportar genes até as células em que eles são necessários. Enquanto isso, no Estadão, podemos ler sobre resultados positivos em um outro caminho de busca por tratamentos contra o câncer. Na Agência Fapesp, texto e vídeo falam de conquistas da comunidade científica brasileira que devem auxiliar muito pesquisas e aplicações médicas relacionadas à genômica no País e em toda a América Latina.

Para terminar, voltando à campanha da Science, o meu voto foi para o fim espetacular da missão Cassini em Saturno, por um motivo essencialmente afetivo: as demais concorrentes certamente terão a sua dose de atenção; então, que a Cassini possa contar com fãs fiéis nestes seus derradeiros momentos de fama! Os dados que enviou, no entanto, ainda devem render vários artigos científicos, assim como as outras finalistas e os genes sobre os quais falamos aqui hoje. A nós resta não apenas aguardar, mas acompanhar atentamente pois, como vimos, cabe a toda a sociedade também empurrar o conhecimento científico em uma ou outra direção.

Boas leituras, e uma boa semana.