Uma amiga me trouxe um artigo esta semana que nos ajuda a pensar nas questões do título desta edição de Mídia e Ciência. A hipótese, em linhas gerais, é que textos que simplificam o conhecimento científico para divulgá-lo para amplas audiências causam, como efeito colateral, a sensação de estarmos inteiramente preparados para tomar, sozinhos, decisões que envolvam aquele conhecimento (“easiness efect”).

Exemplos extremos de situações em que isto pode ser verdade infelizmente não nos faltam ultimamente: vacinar ou não vacinar as crianças, interromper ou não o tratamento contra um câncer para tomar a fosfoetanolamina, sair correndo cada vez que ouço a palavra “glúten” ou apenas me alimentar melhor… E assim poderíamos ir até o infinito. Mas é nas sutilezas que talvez residam os maiores perigos.

No último dia 26, um artigo de opinião publicado no periódico British Medical Journal deu o que falar. Escrito por 10 especialistas da área médica, o texto traz o seguinte alerta: “Com poucas evidências de que deixar de completar o curso prescrito de um tratamento com antibióticos contribui para a resistência a esses medicamentos, é tempo dos formuladores de políticas públicas, educadores e médicos abandonarem essa mensagem.”. A tal mensagem, no caso, é que completar o tratamento é fundamental para prevenir a resistência.

O problema é que a mensagem do artigo ganhou visibilidade como: “cuidado com a instrução de tomar os antibióticos até o fim” ou, pior, “pare de tomar os antibióticos assim que voltar a se sentir melhor”. O caso mais emblemático foi o do também britânico The Guardian, que publicou editorial com o título “A visão do The Guardian sobre antibióticos: não continue tomando os comprimidos”. Porém, apesar do título incisivo, este não era exatamente o conteúdo do texto, cuja principal mensagem era que, frente ao avanço do conhecimento, também precisam avançar os conselhos médicos.

Outros veículos – Scientific American, The Washington Post e, no Brasil, o G1 (são os que eu localizei) – foram mais cuidadosos, tratando o artigo original como o que ele de fato é: um alerta de que mais pesquisas são necessárias, bem como de que posturas mais flexíveis e atentas são indispensáveis à luta contra a resistência a antibióticos, talvez um dos principais desafios enfrentados pela Humanidade atualmente. Ou, como colocado pelo próprio artigo original, que os pacientes precisam, mais do que instruídos a não interromper o tratamento (ou, até mesmo, em vez de), ser conscientizados de que os antibióticos são um recurso precioso e finito que precisa ser preservado.

O próprio The Guardian também traz um outro texto que abarca mais apropriadamente a complexidade da questão, e nos traz ao foco desta coluna: a questão da confiança pública. Porque é isto que está em jogo.

A semana teve também, como destaque, o anúncio de que pesquisadores dos Estados Unidos conseguiram aplicar pela primeira vez com sucesso a técnica CRISPR para modificar genes defeituosos – responsáveis por doenças –em embriões. O estudo foi inicialmente noticiado pela revista MIT Technology Review e publicado na Nature no dia 2 de agosto. Como bem registra O Globo, “os benefícios potenciais são incalculáveis, assim como as questões éticas e os riscos envolvidos”. Isto porque, juntamente à possibilidade de combate a doenças ainda antes do nascimento, vislumbra-se no horizonte a possibilidade do “design de bebês”, buscando características físicas determinadas.

Diante de questões como estas, como nos posicionar? Ou, em um outro caso, que chega a ser divertido, o que pensar quando lemos, em um mesmo dia, que “Estudo confirma que o vírus da zika não é transmitido pela saliva” (manchete do G1 de 1/8) e “Zika pode ser transmitida por via oral entre macacos, diz estudo” (publicada no Estadão na mesma data)?

Eu não acredito que devamos deixar a responsabilidade de escolher aos especialistas. Mas concordo que devemos tomar cuidado para não subestimar a complexidade do conhecimento científico e, em última instância, do mundo em que vivemos e dos seres que nele habitam. Por isso, é fundamental que todos tenhamos disponíveis, mais do que o saber sobre tudo, que é obviamente impossível, as ferramentas necessárias para avaliar nossas fontes de informação – e a necessidade de novas fontes – antes de qualquer posicionamento e/ou tomada de decisão.

Uma das dicas de leitura desta semana é uma dessas ferramentas: mais um texto do jornalista Carlos Orsi, hoje sobre falácias estatísticas. A outra busca dar visibilidade a algo que estranhamente ficou quase totalmente invisível aos olhos da mídia brasileira: a notícia, na Science, sobre o estudo da brasileira Mariana Eloy de Amorim, que encontrou evidências da aceleração do processo evolutivo em lagartixas pela construção de uma barragem na região central do Brasil.

Boas leituras, e boa semana.