Uma relação crítica com o texto midiático pressupõe a atenção cuidadosa a um conjunto grande de aspectos, tais como elementos formais – destaques, diagramação, uso de imagens, ambientação sonora etc. –; as vozes escolhidas e aquelas que são silenciadas; representações de diferentes grupos sociais e atividades humanas, como, por exemplo, cientistas e a Ciência, dentre inúmeros outros. Porém, tão importante quanto a maneira como as coisas aparecem, é a reflexão sobre aquilo que não é mostrado.

No último dia 28, o jornal Valor Econômico publicou o texto “Ruralistas e indústria ameaçam licenciamento”, que aborda o conflito entre propostas distintas para o que pode vir a ser uma Lei Geral de Licenciamento Ambiental para o Brasil. Esta é uma discussão de pelo menos 13 anos, já que o projeto de lei original sobre a questão data de 2004 (PL 3729/2004). Mais recentemente, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) vinha tentando construir uma alternativa que conciliasse desenvolvimento econômico e proteção ambiental. O que o Valor noticia é o substitutivo elaborado pelo deputado Mauro Pereira em diálogo com a bancada ruralista no Congresso, representantes da indústria e integrantes do Governo Federal descompromissados com as questões ambientais, que pode entrar em votação a qualquer momento, já que a matéria tramita em regime de urgência. Dentre outras características preocupantes, o substitutivo apresenta uma extensa lista de empreendimentos isentos da obrigatoriedade de licenciamento, e ignora o aspecto locacional incluído na proposta do MMA, que prevê um cruzamento entre a relevância ambiental de uma determinada área e o potencial poluidor do empreendimento a ser instalado para a definição do processo de licenciamento.

Já no dia 26, o Blog do Planeta, vinculado ao site da revista Época, havia iniciado uma série de três matérias sobre a questão do licenciamento ambiental. Recomendo a leitura. O primeiro texto elenca problemas nos procedimentos atuais de licenciamento, que não atendem nem a desenvolvimentistas, nem a ambientalistas. O segundo apresenta os quatro textos diferentes para uma lei geral atualmente em debate. E o terceiro, partindo de estudo realizado por pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas, defende que a transparência é um fator fundamental ao aprimoramento do processo de licenciamento (embora não estabeleça claramente, na minha avaliação, como essa relação se estabelece).

Mas, apesar da qualidade da cobertura no Blog do Planeta e do Valor Econômico também ter noticiado o tema, estas são ocorrências ínfimas diante da relevância do que está em debate, inclusive – e principalmente – para as futuras gerações. Por que, então, o assunto não tem ganhado destaque na mídia? Esta é uma questão importante a ser feita, dentre outras ações para que tentemos não sermos pegos de surpresa quando as mudanças já forem fato consumado, como temos visto acontecer com tanta frequência ultimamente…

Para quem quiser se aprofundar, além das leituras já mencionadas, recomendo o texto publicado no site Consultor Jurídico, que detalha os motivos pelos quais os autores consideram o substitutivo não apenas um grave retrocesso em termos das questões ambientais, mas também uma peça inconstitucional; bem como a Nota de Repúdio ao substitutivo do deputado Mauro Pereira assinada por quase 150 entidades, que vão de Greenpeace e WWF às associações brasileiras de Antropologia e de Arqueologia e à Articulação dos Povos Indígenas do Brasil.

Antes de finalizar com mais algumas dicas de leitura, acho importante ponderar também que toda a falta de atenção a esta questão do licenciamento ambiental manifesta-se como atenção total no caso da cobertura dada à Marcha pelo Clima, realizada nos Estados Unidos no dia 29, marco dos 100 dias do governo de Donald Trump. Está certo que, como conversamos na semana passada, o impacto de Trump é planetário, e precisa estar em evidência. Mas, será que os meios de comunicação que noticiaram a Marcha com destaque não poderiam mesmo registrar algumas linhas sobre o debate do licenciamento ambiental que acontece aqui, no Brasil?

Um outro tema que esteve em evidência na semana foi a má conduta científica, por motivos e em espaços distintos. Um primeiro destaque foi o anúncio, no dia 3/5, de que a Science retratou estudo publicado em junho do ano passado – e destacado pela mídia internacional e brasileira – sobre os efeitos deletérios de micropartículas de plástico nos oceanos sobre a saúde dos peixes. A retratação é devida à falta de aprovação ética para os experimentos realizados, à ausência dos dados originais e à falta disseminada de clareza sobre como os experimentos foram conduzidos, segundo o comunicado da própria Science. O caso já vem sendo apresentado como um dos exemplos mais flagrantes de fraude científica, já que a suspeita é que parte dos experimentos relatados sequer tenham sido realizados.

Coincidentemente, no dia 2/5 a Folha de S. Paulo publicou editorial intitulado “Confiança e controle”, sobre novas medidas da Fapesp visando coibir a má conduta científica – editorial este que, do meu ponto de vista, exagera o papel do controle em detrimento de ações de formação e conscientização. Nesse contexto, encerro sugerindo a leitura de postagem do mesmo dia 2 no blog SciELO em Perspectiva, que reflete justamente sobre a necessidade de reconsiderarmos o que entendemos por qualidade de uma publicação científica, e como avaliá-la.

Boa leitura, e boa semana.